De
acordo com o Código do Trabalho, presume-se constituir retribuição qualquer
prestação do empregador ao trabalhador. Assim, coloca-se a questão de saber
quando é que uma determinada prestação (por ex., prémio, fundo de pensões,
viatura ou telemóvel) constitui uma mera liberalidade ou tolerância fugindo à
natureza jurídica retributiva ou salarial?
Retomamos
hoje o acórdão que abordámos na passada semana, desta vez sob a vertente
remuneratória (Acórdão do Supremo Tribunal de Lisboa de 26.5.2015 (Fernandes daSilva)).
Em
alguns casos, as prestações complementares a cargo do empregador acabam por ser
qualificadas como retribuição para todos os devidos efeitos, por força da
verificação da presunção, atendendo à falta de prova em contrário (cfr., por
ex., Acórdão da Relação de Lisboa de 29.2.2012 (Ferreira Marques)).
Vejamos
a posição assumida no referido acórdão do Supremo Tribunal de Justiça:
a) As
contribuições feitas pelo empregador para um fundo de pensões não constituem
retribuição, visto que não são feitas ao trabalhador, sendo este apenas titular
de uma expectativa jurídica sobre a constituição de um direito às prestações
quando se verificar o respetivo facto gerador (v.g., reforma);
b) O
prémio anual cuja atribuição dependa, por exemplo, da avaliação da
produtividade e do desempenho profissional do trabalhador não constitui
retribuição, porque a necessidade de verificação destes fatores impede que a
atribuição do prémio seja considerada antecipadamente garantida;
c) O
uso pessoal de viatura de serviço tolerado pelo empregador (e.g., utilização
nas férias e aos fins de semana) pode não constituir retribuição, desde que,
por exemplo, existam regras que façam recair sobre o trabalhador os encargos da
respetiva utilização privada da viatura; e
d) O
uso de telemóvel e de internet para fins pessoais não constitui remuneração
quando, por exemplo, existem regras de utilização destes instrumentos de trabalho
e o trabalhador assume a obrigação de pagar o valor que exceda o plafond
mensal. Neste caso, o eventual uso pessoal abrangido pelo limite quantitativo
de utilização constitui, assim, mera liberalidade do empregador.
Em
traços simples, poder-se-ia dizer que o contrato de trabalho consiste na troca
de uma atividade pessoal por um salário, ou seja, numa alienação da força de
trabalho com o objetivo de assegurar o sustento do próprio e da sua família.
Embora esta noção não reflita, sequer, uma pequena parte da multiplicidade de
situações jurídicas emergentes do trabalho subordinado, permite-nos assinalar a
importância da certeza e segurança jurídicas a propósito da remuneração.
Face
ao exposto, impõe-se um grande cuidado na elaboração de políticas internas
sobre a utilização de instrumentos de trabalho ou de atribuição de complementos
remuneratórios com o objetivo de reduzir o risco de litigiosidade laboral.
Nota
1: publicado no Jornal OJE no dia 9.7.2015
Nota
2: em co-autoria com Maria Paulo Rebelo
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