Noacórdão do passado dia 10.9.2015, o Tribunal de Justiça da União Europeia(TJUE) considerou que, em certas circunstâncias, o tempo de deslocação entre o
domicílio e as instalações do primeiro cliente, bem como o regresso ao
domicílio a partir do local do último cliente, quando determinados pelo empregador,
deve ser considerado tempo de trabalho.
A
questão foi colocada por um tribunal espanhol tendo em conta os seguintes
factos: (i) o empregador dedicava-se à instalação e manutenção de sistemas de
segurança em diversos clientes; (ii) em 2011, o empregador encerrou os
estabelecimentos locais e afetou os trabalhadores à sede localizada em Madrid;
(iii) os trabalhadores técnicos dedicavam-se à instalação e manutenção de
equipamentos em residências e espaços comerciais na respetiva área territorial;
(iv) antes do encerramento dos escritórios locais, o tempo de trabalho
iniciava-se com a chegada às instalações do empregador para recolher o veículo
de trabalho e receber a lista de clientes a visitar e a folha de itinerário e
terminava com a devolução da viatura; (v) após o encerramento, passou a ser
considerado o tempo despendido entre a chegada do trabalhador ao primeiro
cliente e a saída das instalações do último cliente, sendo o remanescente
considerado tempo de descanso; e, por outro lado, (vi) os trabalhadores
passaram a utilizar os veículos do empregador para se deslocarem entre a sua
residência e os locais onde deviam realizar as tarefas que lhes fossem
previamente determinadas pelo empregador, através de sistemas informáticos e de
comunicação.
Esta
nova organização dos recursos humanos permitiu ao empregador eliminar os custos
com instalações fixas, mas os trabalhadores deixaram de poder prever com alguma
segurança o tempo necessário para a sua “vida profissional”, visto que recebiam
a lista de clientes e os trajetos na véspera.
De
acordo com a Diretiva europeia, considera-se tempo de trabalho “qualquer
período durante o qual o trabalhador está a trabalhar ou se encontra à
disposição da entidade patronal e no exercício da sua atividade ou das suas
funções, de acordo com a legislação e/ou a prática nacional”.
Segundo
o TJUE, no caso dos trabalhadores que não têm local de trabalho fixo ou
habitual, sendo chamados a intervir em locais distintos (“trabalhadores
itinerantes”), a deslocação é inerente ao exercício das suas funções. Por outro
lado, a definição do trajeto domicílio-clientes-domicílio decorre do exercício
do poder de direção do empregador e da subordinação jurídica do trabalhador.
Por
fim, para o Tribunal europeu o local de trabalho não se reduz à presença física
junto dos clientes do empregador, devendo incluir os tempos de utilização do
veículo para se deslocar entre clientes, mas também entre o seu domicílio e o
primeiro cliente e entre o último cliente e o regresso ao domicílio.
A
questão sobre eventuais abusos foi igualmente abordada. Segundo o TJUE, compete
ao empregador implementar os mecanismos de controlo necessários para evitar a
realização de atividades pessoais durante o “tempo de trabalho” (por exemplo,
ir levar e buscar os filhos à escola ou ir ao supermercado fazer as compras
diárias ou semanais), bem como para exigir a realização do trajeto mais direto
ou célere.
Atendendo
às circunstâncias deste caso concreto, o Tribunal decidiu considerar tempo de
trabalho o período entre a saída e o regresso ao domicílio.
Este
acórdão constitui o advento de um novo modelo de tempos de trabalho? Muito
provavelmente a resposta será negativa, visto que, por um lado, tem em conta
uma situação muito particular e, por outro lado, este tipo de casos está frequentemente
regulado em convenções coletivas de trabalho.
Contudo,
parece-nos que a sua implementação levará, porventura, à criação de um novo
foco de conflituosidade nas empresas, sendo conveniente antecipá-lo e
preveni-lo.
Nota
1: publicado no Jornal OJE de 17.9.2015.
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