Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

28 de novembro de 2015

Acidentes de percurso: responsabilidade laboral?

O acidente de trabalho é um evento fortuito, anormal e súbito, que se verifica no local e no tempo de trabalho e que produz direta ou indiretamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
Em determinadas circunstâncias, é possível, ainda, qualificar como acidente de trabalho o evento que ocorre fora do local ou do tempo de trabalho, nomeadamente no trajeto casa-trabalho-casa.
O denominado acidente de percurso deve ocorrer nos trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador: a) entre qualquer dos seus locais de trabalho, no caso de ter mais de um emprego; b) entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho; c) entre qualquer dos locais referidos na alínea precedente e o local do pagamento da retribuição; d) entre qualquer dos locais referidos na alínea b) supra e o local onde ao trabalhador deva ser prestada qualquer forma de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente; e) entre o local de trabalho e o local da refeição; f) entre o local onde por determinação do empregador presta qualquer serviço relacionado com o seu trabalho e as instalações que constituem o seu local de trabalho habitual ou a sua residência habitual ou ocasional.
Por outro lado, ainda se admite como acidente de trabalho aquele que ocorre quando o trajeto normal tenha sofrido interrupções ou desvios determinados pela satisfação de necessidades atendíveis do trabalhador, bem como por motivo de força maior ou por caso fortuito.
Entre outras, coloca-se a seguinte questão: será acidente de trabalho aquele dentro de casa do trabalhador?
Sobre este tema cumpre referir um recente Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, segundo o qual “não é acidente de trajeto aquele evento que se traduz na queda do trabalhador no logradouro privado da sua habitação, quando aí se deslocava, provindo do seu local de trabalho, com vista a tomar a refeição do almoço”.
Para o Tribunal, podiam ser considerados, no limite, acidentes de trabalho os casos em que “o trabalhador, logo de manhã, caia no chão da sua casa, quando ainda de pijama, acabadinho de sair da cama e disposto a arranjar-se para ir para o seu emprego, tropece num objeto que um seu filho pequeno deixou abandonado no chão do corredor, ou bata com o joelho na ombreira da porta do quarto, ou escorregue na banheira ou se queime com a cafeteira do café e assim sucessivamente, até abandonar a sua zona de conforto íntimo e privado, onde, em geral, tem o controlo direto e imediato sobre a forma da sua estrutura, organização e funcionamento”. Com efeito, trata-se de um alargamento excessivo do conceito de acidente de trabalho e pode transferir a responsabilidade por acidentes pessoais ou domésticos para a esfera laboral, onerando injustificadamente os empregadores e as seguradoras. De facto, estas entidades não podem prevenir ou evitar riscos no âmbito da esfera privada, pessoal ou íntima dos trabalhadores, nomeadamente dentro do domicílio ou das zonas que sejam exclusivamente controladas pelo trabalhador sinistrado (Ac. TRL 7.10.2015 (José EduardoSapateiro) proc. n.º 408/13.1TBV.L1-4).


Nota: publicado no Jornal OJE de 22.10.2015.

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