Primeiramente para podermos nos
guiar dentro da Justiça do Trabalho no Brasil é necessário fazermos alguns
esclarecimentos prévios para se entender a forma de aplicação da Lei e outros
mecanismos de regulação no caso concreto. Alguns direitos do trabalhador foram
elevados a condição de direitos constitucionais como, por exemplo, os previstos
no artigo 7º da Constituição Federal de 1988. (salário-mínimo, jornada semanal
de 44 horas; adicional de 50% para as horas extras; abono de 1/3 sobre as
férias; licença-paternidade; aviso prévio proporcional ao tempo de serviço;
prescrição qüinqüenal dos créditos trabalhistas, entre outros). Vale lembrar
que alguns destes direitos já existiam antes da CF/88.
Abaixo da constituição federal a
legislação mais importante é a CLT (CONSOLIDAÇÃO DAS LEIS DO TRABALHO) de 1943,
que orienta os direitos do trabalhador desde então.
No direito brasileiro, denomina-se
súmula um conjunto de decisões, tido como jurisprudência, isto é, a linha que
determinado tribunal segue a respeito de um tema específico, com a finalidade
de tornar público para a sociedade tal posicionamento e também para,
internamente, buscar a uniformidade entre as decisões dos juízes ou ministros.
A Orientação Jurisprudencial (OJ), utilizada apenas na Justiça do Trabalho, tem
o mesmo objetivo, mas diferencia-se por uma singularidade: tem maior dinamismo.
No Caso o Tribunal Superior do Trabalho (TST) em suas decisões não contrariam
as normas por ele criadas, o que por óbvio se torna regra imperiosa.
E por final temos Convenções e
Acordos coletivos de trabalho são instrumentos de caráter normativo, firmados
entre entidades sindicais ou entre estas e empresas, que estabelecem condições
de trabalho aplicáveis no âmbito de representação das partes envolvidas,
durante a vigência das mesmas.
Feito estas considerações passamos
ao tema sugerido. Horas In Itinere.
Podemos conceituar em síntese
apertada que o horário “in itinere”, ou tempo de deslocamento, fruto de
construção jurisprudencial e consagrado pelo artigo 58, §§ 2º e 3º, da CLT,
está ligado a três critérios que fundamentam a extensão e limites da
jornada de trabalho: tempo efetivamente trabalhado para o empregador; tempo à
disposição do empregador (ampliativa, portanto); e o próprio tempo “in itinere”,
que engloba as duas anteriores, consubstanciando-se no período em que o obreiro
despende no trajeto ida-e-volta para o local de trabalho.
De fato, a posição da lei
brasileira, por força dos artigos 4º e 58, §§ 2º e 3º, da CLT, conjuga as duas
últimas teorias:
Art. 4º - Considera-se como de serviço efetivo o período em que o
empregado esteja à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens,
salvo disposição especial expressamente consignada.
Art. 58 - A duração normal do trabalho, para os empregados em
qualquer atividade privada, não excederá de 8 (oito) horas diárias, desde que
não seja fixado expressamente outro limite. …
§ 2º - O tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para
o seu retorno, por qualquer meio de transporte, não será computado na jornada
de trabalho, salvo quando, tratando-se de local de difícil acesso ou não
servido por transporte público, o empregador fornecer a condução.
§ 3º Poderão ser fixados, para as microempresas e empresas de pequeno
porte, por meio de acordo ou convenção coletiva, em caso de transporte
fornecido pelo empregador, em local de difícil acesso ou não servido por
transporte público, o tempo médio despendido pelo empregado, bem como a forma e
a natureza da remuneração.
Assim, horário “in itinere” é o
tempo despendido pelo empregado até o local de trabalho e para o seu retorno,
tratando-se de local de difícil acesso ou não servido por transporte público,
em condução fornecida pelo empregador. O TST, por meio da Súmula 90, já havia
consolidado a matéria:
Súmula 90 – TST - Horas "in
itinere". Tempo de serviço.
I - O tempo despendido pelo empregado, em condução fornecida pelo
empregador, até o local de trabalho de difícil acesso, ou não servido por
transporte público regular, e para o seu retorno é computável na jornada de
trabalho.
II - A incompatibilidade entre os horários de início e término da
jornada do empregado e os do transporte público regular é circunstância que
também gera o direito às horas "in itinere".
III- A mera insuficiência de transporte público não enseja o pagamento
de horas "in itinere".
IV - Se houver transporte público regular em parte do trajeto percorrido
em condução da empresa, as horas "in itinere" remuneradas limitam-se
ao trecho não alcançado pelo transporte público.
V - Considerando que as horas "in itinere" são computáveis na
jornada de trabalho, o tempo que extrapola a jornada legal é considerado como
extraordinário e sobre ele deve incidir o adicional respectivo.
Desta forma podemos concluir que
devemos ter os seguintes requisitos para se caracterizar as referidas horas:
1) O empregador deve fornecer o transporte: Que neste caso por obvio
pode ser terceirizado. Aqui cabe um esclarecimento importante: O fato de o
empregador cobrar do empregado, ou não, pelo transporte não elide a percepção
de horas “in itinere”, conforme Súmula 320 do TST:
Súmula 320 – TST - Horas "in
itinere". Obrigatoriedade de cômputo na jornada de trabalho.
O fato de o empregador cobrar, parcialmente ou não, importância pelo
transporte fornecido, para local de difícil acesso ou não servido por
transporte regular, não afasta o direito à percepção das horas "in
itinere".
2) Empresa em local de difícil acesso ou não servido por
transporte público regular:
Local de difícil acesso: O instituto jurídico em questão
nasceu no âmbito rural, tal que trabalhadores eram obrigados a percorrer longas
distâncias para laborar nas fazendas, despendendo muitas horas no trajeto
ida-e-volta para o local de trabalho. Nessas condições, firmou-se
jurisprudência no sentido de computar esse horário excedente na jornada do
empregado.
Com o tempo, essa extensão de
horário passou a ser aplicada, também, na área urbana. Atualmente, no entanto,
é rara sua utilização nas grandes cidades, porque, praticamente, nelas não mais
existem locais de difícil acesso. Por outro lado, seu perímetro, geralmente, é
coberto por transporte regular. Num pais de dimensões continentais devemos
aplicar este instituto também a indústrias que se localizam em áreas distantes
de centros urbanos.
Local não servido por transporte
público regular: O
artigo 58, § 2º, da CLT, silenciou a respeito da expressão “regular”, que, por
sinal, causava grande dissenso na jurisprudência. A Súmula 90, III, do TST,
pacificou a matéria, pois a mera insuficiência de transporte público não enseja
pagamento de horas "in itinere". Neste caso não deve haver transporte
público.
3) Incompatibilidade de horários com o transporte público: Embora esse requisito seja,
praticamente, desdobramento do anterior, entendemo-lo independente porque pode
existir transporte público regular (leia-se: transporte coletivo contínuo),
mas, em horário incompatível com o término da jornada do obreiro. Considere-se,
por exemplo, cozinheiro de restaurante que termina sua jornada às 1h:30m da
madrugada, numa zona urbana, de porte médio, que não tenha transporte público
nesse horário. Assim, há a condução, porém, em horário incompatível com o
término da jornada.
4) Conforme inciso IV, da Súmula 90, restringe-se o tempo “in
itinere” ao trecho não alcançado pelo transporte público: Assim, havendo transporte público
regular em apenas parte do trajeto, as horas "in itinere" remuneradas
limitam-se ao trecho não alcançado pelo transporte público – trajeto que,
evidentemente, será o percorrido pela condução fornecida pelo empregador.
Outro aspecto importante é a
aplicação de adicional de horas extras nas horas “in itinere” que ultrapassem a
jornada normal. Estas serão pagas como horas extras, acrescidas do respectivo
adicional, conforme previsto no inciso V da Súmula 90, do Tribunal Superior do
Trabalho.
Apenas para completar esta pequena
exposição segue uma jurisprudência recente do Tribunal Regional do Trabalho da
Segunda Região, cujo link em azul dá acesso ao acórdão integral:
RECURSO ORDINÁRIO - JULGAMENTO: 05/08/2015 - RELATOR: ADALBERTO MARTINS REVISOR(A):
SIDNEI ALVES TEIXEIRA ACÓRDÃO Nº:
20150673714 PROCESSO Nº: 00013708820145020051 A28 ANO:
2015 TURMA: 8ª - DATA DE
PUBLICAÇÃO: 12/08/2015. EMENTA: Horas in itinere. As horas
itinerantes deferidas judicialmente integram a jornada de trabalho do
empregado, o que importa acréscimo de tempo à jornada legal, razão pela qual,
havendo extrapolação desta, devem ser remuneradas como extraordinárias, na
forma da Súmula 90, V, TST.
http://aplicacoes1.trtsp.jus.br/vdoc/TrtApp.action?viewPdf=&id=4099920
Devemos concluir que o direito
assegurado pelas súmulas visa adequar a uma realidade nas relações de trabalho
pois, o tempo gasto pelo empregado mesmo que não trabalhando efetivamente, foi
utilizado em favor do empregador na ida e volta ao trabalho.
CELSO IWAO YUHACHI MURA SUZUKI – Advogado e Professor de Direito Comercial e
do Trabalho em São Bernardo do Campo – São Paulo – Brasil.
www.maximoesuzuki.com.br
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