Por
força do contrato de trabalho, o trabalhador deve “guardar lealdade ao
empregador, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em
concorrência com ele, nem divulgando informações referentes à sua organização,
métodos de produção ou negócios” (art. 128.º, n.º1, al. f), do Código do
Trabalho). Não obstante, o contrato de trabalho prevê frequentemente uma
cláusula de não concorrência reforçada, nomeadamente para concretizar o âmbito
da concorrência e estabelecer uma cláusula penal que antecipe os prejuízos
possíveis, mas que constitua, acima de tudo, um forte mecanismo dissuasor de
comportamentos ilícitos do trabalhador.
Nesse
sentido, cumpre colocar duas questões: 1) a violação do dever de lealdade
depende da demonstração de desvio (efetivo ou tentado) de clientela durante a
execução do contrato de trabalho?; 2) a cláusula penal deve observar algum
limite pré-definido?
O
acórdão do Tribunal da Relação de Évora (TRE) de 25.6.2015 (José Feteira)
responde de forma coerente a estas questões.
Neste
caso, a trabalhadora foi contratada em 1.5.2012, através de contrato de
trabalho por tempo indeterminado, sem período experimental, para exercer as
funções de Diretora de Agência numa empresa de trabalho temporário, com
responsabilidades nos domínios da gestão, do marketing, da angariação de
clientes e de apresentação e negociação de propostas de serviços com clientes
(atuais ou potenciais). Este contrato cessou em 20.9.2012 por iniciativa da
trabalhadora, tendo a empregadora prescindido do prazo de aviso prévio.
Por
outro lado, em 29.8.2012, foi constituída uma nova empresa de trabalho
temporário, a qual iniciou a sua atividade, para efeitos fiscais, em 1.10.2012
e obteve a licença para o exercício da atividade em 4.12.2012. Mais, a
trabalhadora foi nomeada administradora aquando da constituição e exerceu
funções como administradora da nova sociedade, pelo menos, a partir de
12.10.2012, tendo sido inscrita na Segurança Social como membro de órgão
estatutário e passado a ser remunerada pelo exercício destas funções em
15.10.2012.
Ora,
segundo o TRE, basta a demonstração de um desvio potencial de clientela com
fundamento no comportamento da trabalhadora. Assim, o “simples facto de (a
trabalhadora] ter sido nomeada [durante a vigência do contrato de trabalho]
vogal do conselho de administração e administradora delegada de uma sociedade
concorrente [do empregador] importa (…) a violação do dever lealdade, na
vertente de obrigação de não concorrência”. Por outras palavras, o
comportamento da trabalhadora – meramente preparatório do início de laboração
da nova empresa – é suscetível de criar a “expectativa de uma atividade
concorrencial ou de um potencial desvio de clientela”, independentemente da
existência efetiva de prejuízos para o empregador ou de desvio (atual ou
tentado) de clientela.
No
que toca à segunda questão, o TRE considerou adequada uma cláusula penal correspondente
a 12 vezes o valor da última retribuição, acrescido do correspondente a duas
vezes essa remuneração por cada ano ou fração de serviço, tendo em conta que se
tratava de um contrato de trabalho por tempo indeterminado, sem período
experimental, para o exercício de um cargo de confiança. Para o tribunal, a
redução da cláusula penal “colidiria com a necessária preservação do seu valor
cominatório e dissuasor”.
O
TRE andou bem na resposta a ambas as questões. Todavia, devemos ter presente
que o ser humano é dotado de uma criatividade prodigiosa que desafia
diariamente o ordenamento jurídico. Compete ao intérprete encontrar o caminho
que reforce o cumprimento dos deveres de lealdade e de não concorrência.
Nota: publicado no Jornal OJE de 16.7.2015.
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