Existe
alguma proteção especial contra o despedimento de um trabalhador que adote
algum dos seguintes comportamentos: (i) reclamar legitimamente contra as
condições de trabalho; (ii) recusar-se a cumprir ordem a que não deva
obediência; (iii) exercer ou candidatar-se ao exercício de funções em estrutura
de representação coletiva dos trabalhadores; ou (iv) em, geral, exercer, ter
exercido, pretender exercer ou invocar os seus direitos ou garantias?
De
acordo com o Código do Trabalho, presume-se abusivo o despedimento – ou sanção
disciplinar conservatória do vínculo laboral – quando tenha lugar: (i) até 6
meses após qualquer dos factos referidos acima; ou (ii) até 1 ano após
reclamação ou outra forma de exercício de direitos relativos a igualdade e não
discriminação.
Nestes
casos, compete ao empregador provar que a sanção disciplinar teria sido
aplicada, independentemente da reivindicação do trabalhador. Trata-se de um
regime que onera significativamente a posição jurídica do empregador e que
encontra a sua justificação na especial censurabilidade do exercício do poder
disciplinar como meio de retaliação, de perseguição ou de intimidação do
trabalhador. Em tais situações, o poder disciplinar deixa de ser um meio de
autotutela do interesse organizacional legítimo do empregador, através do
qual pune o incumprimento contratual e restabelece o normal funcionamento
da empresa.
À
partida, a distinção entre sanção lícita e sanção abusiva parece clara e
linear. Todavia, as circunstâncias do caso concreto devem ser especialmente
valoradas e ponderadas na resolução do litígio.
Recentemente,
o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a razão de ser do carácter abusivo
da sanção “reside na natureza persecutória da punição, ou seja, no facto de a
verdadeira razão da aplicação da sanção se situar fora da punição da conduta
ilícita e culposa do trabalhador” [acórdão de 26.5.2015 (Fernandes da Silva)].
Na
situação em apreço, o trabalhador reclamou contra um tratamento, no seu
entender, discriminatório face a outros colegas com fundamento na atribuição de
uma viatura de serviço de gama inferior, bem como contra o não pagamento de
trabalho suplementar; por seu lado, o empregador promoveu o despedimento com
justa causa com apoio, designadamente, nas afirmações do trabalhador expressas
nas cartas dirigidas aos seus superiores hierárquicos.
Salvo
melhor opinião, não bastará uma sequência cronológica dos acontecimentos
temporalmente limitada: exercício de direitos pelo trabalhador – procedimento
disciplinar – despedimento. É necessário que exista, por um lado, um nexo de
causalidade mínimo entre o exercício de direitos e o despedimento e, por outro,
que o trabalhador exerça os seus direitos laborais sem colocar em crise deveres
essenciais da relação laboral, nomeadamente os deveres de respeito, zelo,
diligência e lealdade. Destarte, por exemplo, a reclamação do trabalhador
contra as condições de trabalho não deverá comportar afirmações ofensivas ou
lesivas da honra e bom nome do empregador, dos seus representantes ou de
colegas do trabalhador, nem a divulgação de informação confidencial da empresa.
De outra forma, existirá uma compressão excessiva e injustificada do poder
disciplinar enquanto instrumento fundamental de tutela efetiva do interesse das
organizações laborais.
Nota
1: publicado no Jornal OJE no dia 2.7.2015
Nota
2: em co-autoria com Maria Paulo Rebelo
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