Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

27 de novembro de 2015

"Whistleblowing” e as relações laborais

Um trabalhador que colabore com as autoridades públicas em situações de corrupção ou de má administração interna pode ser despedido com justa causa por violação do dever de lealdade para com o empregador?
O tema dos sistemas de denúncia de comportamentos irregulares (“whistleblowing”) não é recente (cfr. casos Enron em 2001, Oil for Food em 2005 e FIFA em 2014), nem está isento de polémica, visto que não é fácil traçar a fronteira entre uma cooperação leal com as autoridades e um ato de vingança ou de pressão sobre uma determinada pessoa ou entidade.
Por exemplo, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem (TEDH) considerou, em 2011, que o despedimento de uma trabalhadora com fundamento na apresentação de participação criminal contra o empregador, com fundamento na falta ou insuficiência de assistência a pacientes, constituía uma violação do direito à liberdade de expressão previsto na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Segundo o TEDH, a violação do dever de lealdade ao empregador podia ser admissível, desde que a participação (i) fosse necessária para a tutela do interesse público, (ii) não fosse conscientemente infundada ou leviana, (iii) fosse apresentada após recurso a outros meios mais discretos (ou internos) para corrigir ou eliminar o comportamento irregular e (iv) não consubstanciasse um ato manifestamente ilegítimo (ex.: vingança ou pressão pública para obtenção de uma vantagem privada).
Este tema coloca, nomeadamente, questões laborais e de proteção de dados. Ora, por um lado, o trabalhador deve (i) respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho e as pessoas que se relacionam com a empresa, com urbanidade e probidade e (ii) guardar lealdade ao empregador. Por conseguinte, compreende-se que constitua justa causa de despedimento, designadamente, (i) a violação de direitos e garantias de trabalhadores da empresa, (ii) a lesão de interesses patrimoniais sérios da empresa e (iii) a prática, no âmbito da empresa, de violências físicas, injúrias ou outras ofensas punidas por lei (ex.: crime de denúncia caluniosa).
Por outro lado, de acordo com a Deliberação da Comissão Nacional de Proteção deDados (CNPD) (2009), o tratamento de dados aplicável às “Linhas de Ética” noâmbito financeiro está sujeito a prévia autorização da CNPD, devendo respeitaros princípios da proporcionalidade, da boa-fé e da transparência. Esta Deliberação parece apontar para a admissibilidade deste tipo de procedimentos apenas nos domínios da contabilidade, dos controlos contabilísticos internos, da auditoria, da luta contra a corrupção e do crime bancário e financeiro.
Todavia, em 2014, o Conselho da Europa emitiu uma Recomendação aos Estados-membros paraadotarem normas de proteção dos “whistleblowers”, nomeadamente no caso de denúncias sobre atos ou omissões que possam ameaçar ou prejudicar o interesse público nos domínios dos direitos humanos, saúde e segurança públicas e ambiente. Por outras palavras, as “Linhas de Ética” podem vir a assumir um alcance mais abrangente. Em suma, a criação de “Linhas de Ética” está na ordem do dia, coloca alguns problemas laborais e de proteção de dados que podem ser convenientemente resolvidos em instrumentos internos aprovados pelo empregador, ao abrigo do seu poder regulamentar.


Nota: publicado no Jornal OJE no dia 11.6.2015

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