O
contrato de trabalho tem por objeto a prestação de uma atividade de forma
subordinada a outra pessoa (ou outras pessoas). Nesse sentido é importante
definir a atividade para que o trabalhador é contratado, nomeadamente por
remissão para uma determinada categoria profissional.
Todavia,
a relação de trabalho tem, em regra, uma vocação duradoura, não sendo possível
determinar à partida, de forma minuciosa e detalhada, todas as funções e
tarefas que podem ser exigidas ao trabalhador dentro de certa categoria
profissional. Para esse efeito, o empregador, titular do poder de direção, pode
concretizar, em cada momento, as atividades a desempenhar pelo trabalhador.
Não
raras vezes, surgem conflitos laborais quando o empregador impõe ao trabalhador
certa conduta e este recusa-se dizendo “não faz parte das minhas funções ou
atribuições”. Trata-se de uma recusa legítima?
Num
acórdão muito recente, o Supremo Tribunal de Justiça teve oportunidade de se
pronunciar sobre o seguinte caso:
O
trabalhador X tinha a categoria profissional de técnico superior,
competindo-lhe desempenhar, nomeadamente, as seguintes tarefas: atendimento
personalizado a empresários e potenciais empreendedores, nas instalações da
associação e nas empresas, visita às empresas associadas e a empresas não
associadas no sentido da sua sensibilização para o movimento associativo,
recolha e tratamento de informação com interesse para as empresas, nas diversas
fontes disponíveis, bem como a sua divulgação junto dos potenciais
interessados, elaboração de projetos de investimento e estudos de viabilidade
económica, prestação de serviços de consultadoria às empresas, representante da
Direção para os assuntos relacionados com o Sistema de Garantia da Qualidade.
Em
determinado momento, o empregador Z deu uma ordem ao trabalhador X para
desempenhar temporariamente tarefas financeiras da empresa, em virtude da
ausência de um colega, por razões de saúde. Esta ordem foi reiterada
posteriormente por outros representantes do empregador. Sucede que o
trabalhador X se recusa a desempenhar tais funções porque (i) se encontravam
fora da atividade contratada e (ii) não tinha condições nem conhecimentos para
as desempenhar.
Contudo,
o trabalhador X (i) era licenciado em economia, com um mestrado em gestão
financeira, (ii) tinha colaborado anteriormente com o colega ausente
(substituindo-o por vezes) e (iii) no âmbito da atividade contratada desempenhou
tarefas semelhantes àquelas que lhe eram agora exigidas. Ora, o empregador pode
exigir do trabalhador o desempenho temporário de funções não compreendidas na
sua categoria profissional (art. 120.º, n.º1, do Código do Trabalho). Segundo o
Tribunal, este poder fundamenta-se na necessidade do empregador de “proceder a
movimentações funcionais dos seus efectivos para fazer face a problemas
ocasionais de gestão do seu pessoal para cuja resolução não se justifique a
contratação de novos elementos”. Por outro lado, “o poder de gestão dos
efectivos da empresa pertence ao empregador, a ele cabendo, portanto, a
faculdade de colocar no desempenho das funções financeiras da empresa o
trabalhador cujo perfil considere mais adequado”.
Para
o STJ, a “desobediência constitui, por regra, falta que não é facilmente
suportável pela entidade patronal, na medida em que afecta o respectivo
prestígio e autoridade, provoca uma quebra na confiança que deve presidir à
relação de trabalho e, por isso, pode integrar justa causa de despedimento”.
Neste
caso, a desobediência reiterada revelou uma “violação deliberada” do dever de
obediência do trabalhador ao empregador, a qual “abalou a relação de confiança
que parecia existir” e obrigou o empregador a recorrer a serviços externos para
suprir a falta de trabalho. Por conseguinte, o Tribunal considerou que existia
uma “ruptura irreversível do vínculo laboral por forma que a única sanção
adequada a tal comportamento seria a do despedimento com justa causa” (Ac. STJ1.10.2015 (Gonçalves Rocha) proc. n.º 279/12.5TTPTG.E1.S1).
Por
vezes, os conflitos diários nas organizações laborais sobre o objeto da
atividade laboral podem culminar num despedimento com justa causa sem direito a
indemnização ou compensação. Por isso, é importante avaliar, em cada situação,
todas as variáveis de molde a evitar consequências indesejáveis.
Nota
1: publicado no Jornal OJE de 15.10.2015.
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