Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

16 de fevereiro de 2015

A relevância da confiança no contrato de trabalho


A confiança é o elo de ligação que mantém vivas as relações pessoais e, necessariamente, as relações profissionais. Não surpreende, portanto, a sua importância no campo do Direito do trabalho, nomeadamente em sede de despedimento com justa causa.
Devemos ter presente que as infrações disciplinares podem dar lugar à aplicação de alguma das seguintes sanções: (i) repreensão; (ii) repreensão registada; (iii) sanção pecuniária; (iv) perda de dias de férias; (v) suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade; (vi) despedimento sem indemnização ou compensação. Contudo, a escolha da sanção pelo empregador deve ser proporcional à gravidade da infração e à culpabilidade do infrator.
De referir que a gravidade da infração ou a culpabilidade do infrator não estão diretamente relacionadas com a existência de prejuízo e, muito menos, com o valor do prejuízo. Com efeito, recordemo-nos do caso do despedimento do fiel de armazém que guardou materiais, de valor diminuto, do empregador no seu armário pessoal (Ac. STJ 10.7.1996 (Almeida Deveza)).
No início de 2015, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) foi chamado a apreciar a regularidade do despedimento com justa causa de um trabalhador que participa a ocorrência de um acidente de trabalho, tendo sido apurado que as lesões declaradas não ocorreram de acordo com o circunstancialismo invocado pelo trabalhador, isto é, as lesões não foram provocadas pelo impacto das portas automáticas existentes no local de trabalho.
O STJ considerou que a prestação de falsas declarações viola o dever de lealdade para com a empregadora pois, com intuito fraudulento, o trabalhador invoca eventos que consabidamente não correspondem à realidade. Esta conduta foi tida como particularmente grave e censurável e, por isso, suscetível de colocar em crise a confiança em que se alicerçava a relação de trabalho. O Tribunal entendeu, ainda, que a ausência de antecedentes disciplinares em 12 anos de trabalho e a inexistência de prejuízos graves para o empregador abonavam a favor do trabalhador, mas não neutralizavam a gravidade do comportamento sendo, por isso, o despedimento lícito (Ac. STJ de 14.1.2015 (Pinto Hespanhol)).
Num outro caso, o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC) considerou o seguinte caso como violação do dever de lealdade suscetível de quebrar a relação de confiança e, como tal, de consubstanciar um despedimento com justa causa: o trabalhador falta ao serviço e apresenta um atestado de doença; nesse período presta a sua atividade noutra entidade; tendo estes factos ocorrido depois de o empregador ter recusado um pedido de dispensa do trabalhador para prestar serviços a outrem (Ac. TRC de 22.10.2009 (Fernandes da Silva)).


Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 10.2.2015.
Nota 2: em coautoria com Inês Garcia Beato.

Espectáculo e audiovisual: contrato de trabalho ou “recibos verdes”?

A atividade artística, técnico-artística ou de mediação destinada a espectáculos ou a eventos públicos pode ser prestada ao abrigo de um contrato de trabalho com regime especial ou de um contrato de prestação de serviços ("recibos verdes"). Tudo dependerá das circunstâncias do caso concreto – isto é do modo de execução das tarefas, atendendo ao maior ou menor grau de subordinação e de controlo pelo beneficiário da atividade –, independentemente da qualificação dada pelas partes.

Referimo-nos a um sector de atividade ligado aos espectáculos ou eventos culturais públicos, ou seja, às manifestações artísticas relacionadas com a criação, execução e interpretação que se realizem perante o público e ainda que se destinem à gravação e à transmissão para posterior difusão pública (teatro, cinema, radiodifusão, televisão, Internet, praça de touros, circo, entre outros). Esta área abrange, por exemplo, o cantor ou intérprete, o operador de câmara, o artista de circo, o bailarino ou os técnicos de produção e de montagem.

Para este setor existe um regime jurídico-laboral que comporta, nomeadamente, as seguintes especificidades: (i) maior flexibilidade na celebração de um contrato de trabalho a termo; (ii) possibilidade de celebração de um contrato de trabalho com pluralidade de trabalhadores (em grupo ou equipa); e (iii) maior maleabilidade na determinação do horário de trabalho (trabalho o empregador pode estabelecer um ou mais intervalos de descanso ou um regime de trabalho descontínuo adequado à especificidade da atividade ou do espectáculo, ou ainda um horário de trabalho de início variável, denominado horário à tabela).

Não obstante esta maior flexibilidade do regime laboral, não podemos esquecer a possibilidade de estas atividades serem desenvolvidas, igualmente, ao abrigo de um contrato de prestação de serviços.

Por exemplo, no acórdão de 22.9.2011, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que não havia trabalho subordinado – ou contrato de trabalho – no seguinte caso: a pessoa Y foi contratada para assegurar a "animação musical de dois bares de hotel, usando a sua "arte" e de acordo com o repertório que escolhia, podendo, inclusivamente, fazer-se substituir por outro músico, a quem pagava, não estando sujeito a qualquer controlo de assiduidade, nem sendo pago dos subsídios de férias e de Natal".

Noutro acórdão mais recente (20.11.2013), o mesmo tribunal superior afastou a existência de um contrato de trabalho no seguinte caso: entre um teatro e um maestro foram celebrados dois contratos; o primeiro destinava-se à prestação de serviços como maestro num mínimo de duas produções líricas e quatro concertos sinfónicos; o segundo visava a direção de duas produções líricas por temporada e pelo menos três programas sinfónicos.

As empresas e as pessoas devem procurar conhecer os regimes jurídicos aplicáveis a cada caso concreto e, se possível, antes do surgimento dos litígios, de forma a evitar resultados indesejados. Invariavelmente somos levados a concluir: o desconhecimento da lei não aproveita a ninguém.




Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 3.2.2015.

Nota 2: em coautoria com Maria Paulo Rebelo.
Nota 3: regime dos contratos de trabalho dos profissionais de espectáculos (aqui, aqui e aqui).

Os "recibos verdes", a nova ação judicial e o papel do trabalhador


No ano de 2013, entrou em vigor uma nova ação especial de reconhecimento da existência de contrato de trabalho. De acordo com esta ação, uma denúncia da Autoridade para as Condições de Trabalho (ACT) junto do Ministério Público (MP) sobre a existência de uma situação de prestação de atividade, aparentemente autónoma, em condições análogas ao contrato de trabalho, tem necessariamente como consequência a promoção de uma ação judicial de reconhecimento de existência de contrato de trabalho.
O grande objetivo do legislador foi dotar o MP de competências para promover estas ações judiciais na defesa de interesses de ordem pública. Assim, em Portugal tal como noutros ordenamentos jurídicos do espaço da UE, tem sido assumida como essencial a luta contra o trabalho subordinado não declarado.
Com a introdução desta nova ação judicial, começaram a colocar-se diversas questões práticas. Aquela que se tem tornado mais comum é saber qual o importância da vontade do trabalhador e os seus reflexos processuais. Colocam-se, entre outras, as seguintes questões: (i) o MP tem interesse em agir no caso do trabalhador manifestar no processo que não pretende o reconhecimento da existência de um contrato de trabalho?; e (ii) se a relação contratual cessar após a denúncia da ACT, estaremos perante uma inutilidade superveniente da lide, ou seja, a acção deve terminar nesse momento?
O Tribunal da Relação de Lisboa, em dois acórdãos datados de 17.12.2014, respondeu a estas questões. Quanto à primeira, entendeu que a vontade do trabalhador é irrelevante para ajuizar o interesse em agir do MP. Quanto à segunda questão, foi decidido que se mantêm a pertinência de apurar a natureza do contrato, por daí resultarem direitos para o trabalhador e o dever de cumprimento de obrigações fiscais e contributivas para o empregador.
Regista-se o facto de esta ação promover a litigiosidade e o conflito mesmo contra a expressa vontade do trabalhador. Por outro lado, se nestas circunstâncias se justifica a manutenção da ação judicial apenas com base no dever de cumprimento de obrigações fiscais e contributivas, cumpre questionar se o reconhecimento da existência de contrato de trabalho não deveria ser mais do que uma questão prejudicial num processo a correr termos num Tribunal Administrativo e Fiscal, sendo, por isso, os tribunais do trabalho incompetentes para conhecer do seu mérito.
As dúvidas florescem e as certezas evaporam-se a cada nova ação especial. Trata-se de uma matéria a ponderar numa futura revisão do Código do Processo do Trabalho.


Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 27.1.2015.
Nota 2: em coautoria com Duarte Abrunhosa e Sousa, advogado, mestre em Direito, investigador do CIJE-FDUP.
Nota 3: sobre os acórdãos referidos vide aqui e aqui.

Faltas injustificadas e procedimento disciplinar

As faltas não justificadas ao trabalho constituem violação do dever de assiduidade, determinam perda da retribuição correspondente ao período de ausência, que não é contado na antiguidade do trabalhador e podem conduzir à aplicação de sanções disciplinares conservatórias do contrato de trabalho ou até ao despedimento.
Constituem, por exemplo, justa causa de despedimento as faltas não justificadas ao trabalho:
a) Que determinem diretamente prejuízos ou riscos graves para a empresa; ou
b) Cujo número atinja, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.
Assim, as faltas injustificadas verificadas durante o ano de 2014 podem constituir fundamento de um procedimento disciplinar e conduzir à aplicação de sanções disciplinares, nomeadamente a suspensão do trabalho com perda de retribuição e de antiguidade ou o despedimento com justa causa, sem indemnização ou compensação.
Sobre a matéria das faltas ao trabalho, cumpre dar nota de duas regras importantes:
Os tempos de ausência injustificada ao trabalho de duração inferior ao período normal de trabalho diário (por exemplo, 8 horas) podem ser adicionados para determinação de faltas injustificadas a dias completos.
Por outro lado, no caso de apresentação do trabalhador com atraso injustificado:
a) Sendo superior a 60 minutos e para início do trabalho diário: o empregador pode não aceitar a prestação de trabalho durante todo o período normal de trabalho desse dia (por exemplo, 8 horas);
b) Sendo superior a 30 minutos: o empregador pode não aceitar a prestação de trabalho durante essa parte do período normal de trabalho (por exemplo, período da manhã ou período da tarde).
Sobre este tema, num acórdão de 17.12.2014, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que, embora deva respeitar a reserva da vida privada do trabalhador, o empregador pode solicitar informação à Faculdade, na qual o trabalhador estava matriculado e cujos horários eram parcialmente coincidentes com o seu horário de trabalho, sobre os dias e horas de frequência do mestrado. Por conseguinte, na falta de autorização do empregador, o Tribunal considerou "grave incumprimento do dever de lealdade – de modo a pôr irremediavelmente em causa a confiança imprescindível à manutenção do vínculo laboral - a conduta do trabalhador corporizada na assumida vontade em, por diversas vezes e sem autorização do empregador, estar ausente ao serviço, auferindo, não obstante, a retribuição como se, nesses dias, tivesse trabalhado".

Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 20.1.2015.
Nota 2: em coautoria com Inês Garcia Beato.


Regresso paulatino ao passado: o custo do trabalho suplementar

A Reforma Laboral de 2012, reflexo dos anos da Troika com mediação da maioria dos Parceiros Sociais, procurou flexibilizar a organização do tempo de trabalho e da cessação do contrato de trabalho, reduzir custos para as empresas e promover a negociação e contratação coletiva.

Em setembro de 2013, o Tribunal Constitucional (TC) "eliminou" algumas das medidas através da declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral que afetou normas relativas (i) ao despedimento por extinção de posto de trabalho, (ii) ao despedimento por inadaptação, (iii) aos descansos compensatórios por trabalho suplementar prestado em dia útil, em dia de descanso semanal complementar ou em dia feriado previstos em instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho (v.g., convenções coletivas de trabalho, acordos de empresa), (iv) as majorações ao período anual de férias previstas nos referidos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho e (v) a redução ("definitiva") para metade da remuneração por trabalho suplementar ou por trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia.

O TC "salvou" a suspensão – necessariamente temporária – da remuneração por trabalho suplementar ou por trabalho normal prestado em dia feriado prevista em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho, tendo em conta o seu "prazo de validade": 31 de julho de 2014.


Na falta de nova prorrogação da suspensão, a partir do passado dia 1 de janeiro, a remuneração pelo trabalho suplementar ou por trabalho normal prestado em dia feriado, ou descanso compensatório por essa mesma prestação, em empresa não obrigada a suspender o funcionamento nesse dia, voltou a ser regulado pelos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho aplicáveis à empresa ou ao sector de atividade.

Os valores previstos no Código do Trabalho são apenas aplicáveis na ausência – ou no silêncio – de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

Passo a passo vão desaparecendo, assim, as medidas laborais dos anos da Troika.

Será necessário encontrar um novo equilíbrio entre o tempo de trabalho, o tempo de repouso e a remuneração. É importante que as empresas procedam à avaliação da afetação dos seus recursos humanos atendendo aos níveis remuneratórios estabelecidos, nomeadamente, no contrato coletivo de trabalho, no acordo coletivo de trabalho ou no acordo de empresa aplicável.




Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 13.1.2015.

Nota 2: em coautoria com Inês Garcia Beato.

 

Gerentes e administradores: acesso ao subsídio de desemprego


Até 31 de dezembro de 2012, o sistema previdencial português garantia a proteção nas eventualidades de doença, parentalidade, doenças profissionais, invalidez, velhice e morte, mas não assegurava a eventualidade do desemprego dos membros de órgãos estatutários das pessoas coletivas e entidades equiparadas que exerçam funções de gerência ou de administração
Essa lacuna foi preenchida pelo Orçamento de Estado para 2013 e pelo Decreto-Lei n.º 12/2013, de 25 de janeiro, através da criação do "subsídio por cessação da atividade profissional". Em contrapartida foi determinado o aumento da taxa contributiva de 29,6% para 34,75%. De referir que o Orçamento de Estado para 2014 eliminou o limite máximo aplicável à base de incidência contributiva dos gerentes e administradores, a qual passou a corresponder ao valor das remunerações efetivamente auferidas, com o limite mínimo igual ao valor do Indexante dos Apoios Sociais (IAS), ou seja € 419,22.
A atribuição do "subsídio por cessação da atividade profissional" depende do preenchimento cumulativo das seguintes condições: (i) encerramento da empresa ou cessação da atividade profissional de forma involuntária; (ii) cumprimento do prazo de garantia; (iii) situação contributiva regularizada perante a segurança social, do próprio e da empresa; (iv) perda de rendimentos que determine a cessação de atividade; e (iv) inscrição no centro de emprego da área de residência, para efeitos de emprego.
O encerramento da empresa ou a cessação da atividade profissional considera-se involuntária sempre que decorra de: (i) redução significativa do volume de negócios que determine o encerramento da empresa ou a cessação da atividade para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado; (ii) sentença de declaração da insolvência nas situações em que seja determinada a cessação da atividade dos gerentes ou administradores ou em que o processo de insolvência culmine com o encerramento total e definitivo da empresa; (iii) ocorrência de motivos económicos, técnicos, produtivos e organizativos que inviabilizem a continuação da atividade económica ou profissional; (iv) motivos de força maior determinante da cessação da atividade económica ou profissional; (v) perda de licença administrativa sempre que esta seja exigida para o exercício da atividade e desde que essa perda não seja motivada por incumprimentos contratuais ou pela prática de infração administrativa ou delito imputável ao próprio.
O prazo de garantia é de 720 dias de exercício de atividade profissional, com o correspondente registo de remunerações num período de 48 meses imediatamente anterior à data de cessação de atividade. Assim, considerando que só serão contabilizados os períodos de remuneração posteriores a 1.1.2013 – i.e., após o aumento da taxa contributiva para 34,75% –, os gerentes e administradores passaram apenas a ser (efetivamente) elegíveis para o "subsídio por cessação da atividade profissional" a partir do passado dia 1 de janeiro de 2015.
O valor deste subsídio é de 65% da remuneração de referência, não podendo ser inferior ao valor do IAS (€ 419,22), nem superior a 75% do valor líquido da remuneração de referência com o limite de duas vezes e meia o valor do IAS (€ 1.048,05).
As micro, pequenas e médias empresas representam mais de 90 % do tecido empresarial. A atribuição de um "subsídio por cessação da atividade profissional" aos gerentes e administradores, cujos traços gerais apresentámos acima, tem inegáveis reflexos sociais.


Nota 1: publicado no Jornal OJE no dia 15.1.2015.
Nota 2: em coautoria com Inês Garcia Beato.

Greve em tempos de requisição civil: o caso TAP


Em 2014 sucederam-se as greves, com especial relevância social no sector dos transportes. Não surpreende, portanto, que terminemos o ano com uma "polémica" declaração de greve seguida de uma "duvidosa" requisição civil.
Como sabemos, um amplo conjunto de sindicatos convocou, para os próximos dias 27 a 30 de dezembro, uma greve para o Universo TAP. É inquestionável que a greve prejudica o transporte aéreo numa época particularmente sensível para as famílias e para o turismo nacional. Todavia, não parece ser de aceitar que o direito à greve só possa ser exercido quando não causa incómodo ou seja meramente figurativo ou inócuo.
Após algumas rondas negociais com os sindicatos, o Governo decidiu, no dia 18 de dezembro, reconhecer a necessidade de se proceder à requisição civil, dentro e fora do território nacional, dos trabalhadores das empresas do Grupo TAP que se mostrem necessários para assegurar o regular funcionamento da atividade de transporte aéreo desenvolvida pelo Grupo TAP, incluindo os serviços essenciais de suporte a essa atividade.
No mesmo dia, por portaria dos Ministérios das Finanças, da Economia e da Solidariedade, Emprego e Segurança Social foram indicadas as categorias profissionais dos trabalhadores a requisitar, a saber: a) Operações de voo: Oficiais Pilotos, Comandantes, Supervisores de Cabine, Chefes de Cabine e Comissários e Assistentes de Bordo; b) Apoio em terra a operações de voo: Oficiais de Operações de Voo e Controladores/Planeadores de Escalas de Tripulantes; c) Manutenção: Técnicos de Manutenção de Aeronaves, Técnicos de Reparação e Tratamentos de Material Aeronáutico, Técnicos de Apoio de Manutenção e Técnicos de Preparação, Planeamento e Compras; d) Aeroportos: Operadores de Assistência em Escala, Técnicos de Tráfego de Assistência em Escala e Técnicos de "LoadControl"; e) "Catering": Cozinheiros, Pasteleiros, Preparadores, Motoristas e demais categorias ligadas à produção e transporte de "catering".
Sob um ponto de vista estritamente jurídico, diríamos que o direito à greve, constitucionalmente protegido, surge fortemente restringido – senão mesmo anulado – por uma requisição civil em regime de quota máxima, sem atender ao processo arbitral em curso para a definição de serviços mínimos.
Com efeito, no dia 22 de dezembro, o tribunal arbitral fixou os serviços mínimos. E agora? Não sendo desconvocada a greve e tendo em conta a incompatibilidade entre definição de serviços mínimos por um tribunal arbitral e a fixação de uma requisição civil ampla pelo Governo para "assegurar o regular funcionamento da atividade de transporte aéreo", advinha-se a insegurança e incerteza jurídicas e a multiplicação de litígios laborais.
Uma requisição civil em termos amplos dificilmente será conforme com as diretrizes constitucionais, designadamente o princípio da proporcionalidade, na vertente da proibição do excesso, independentemente de ser "este" ou "outro" Tribunal Constitucional. Podia colocar-se, ainda e no limite, a questão da violação do princípio da separação de poderes: o Governo aplica o Direito ao caso concreto, substituindo-se a um tribunal arbitral.
Por outro lado, a decisão do Governo não parece respeitar a norma do Código do Trabalho que aponta para a subsidiariedade da requisição civil face ao não cumprimento dos serviços mínimos. Refira-se, aliás, que a jurisprudência tem confirmado este entendimento.
Aguardemos pelos resultados deste braço de ferro. Uma coisa parece certa: os passageiros perdem sempre.

Nota 1: artigo escrito no dia 23.12.2014 e publicado no Jornal OJE no dia 26.12.2014.
Nota 2: regime jurídico da requisição civil vide aqui e aqui.

Nota 3: requisição civil no caso TAP vide aqui e aqui.
Nota 4: arbitragem sobre os serviços mínimo vide aqui e aqui.
Nota 5: artigo de opinião do Professor Monteiro Fernandes no Jornal Público de 23.12.2014.

A carteira profissional europeia (CPE) e mobilidade profissional


No espaço europeu existe um sistema de reconhecimento de qualificações profissionais que visa garantir a efetivação da liberdade de circulação de trabalhadores, através da eliminação de barreiras desnecessárias, injustificadas ou desproporcionais (Diretiva 2005/36/CE, alterada pela Diretiva 2013/55/UE). As qualificações ou títulos profissionais adquiridos num Estado-membro valem, em regra, noutro Estado-membro.

A alteração de 2013 veio potenciar a mobilidade profissional através da criação da Carteira Profissional Europeia (CPE), a qual visa simplificar os processos de reconhecimento das qualificações profissionais de um nacional de Estado-membro noutro Estado-membro de acolhimento (ex.: um engenheiro que adquiriu as qualificações profissionais em Portugal e decide ir trabalhar para a Holanda). Este mecanismo deverá conduzir a uma redução de custos e a uma maior operacionalidade dos processos de reconhecimento junto das autoridades competentes de cada Estado-membro, sem prejuízo da proteção dos valores da transparência e da segurança jurídica.

O profissional poderá requerer a emissão da CPE junto da autoridade competente na sua área profissional. Trata-se de um certificado eletrónico que comprova que o profissional cumpriu todas as condições necessárias para prestar serviços num Estado-membro de acolhimento, a título temporário e ocasional ou a título permanente.

Numa primeira fase, a CPE não estará acessível a todas as profissões regulamentadas (ou seja, profissões cujo acesso dependa da titularidade de determinadas qualificações profissionais), visto que é um instrumento de caráter voluntário que ficará disponível para as profissões que manifestaram interesse em beneficiar destas vantagens. Refira-se, aliás, que este regime consta da lei-quadro aplicável às associações públicas profissionais (ordens e câmaras profissionais).

No seguimento do convite da Comissão Europeia (outubro de 2013), foram selecionadas cinco profissões para, numa primeira fase, a partir de janeiro de 2016, beneficiarem da CPE, a saber: enfermeiro de cuidados gerais, farmacêutico, fisioterapeuta, guia de montanha e angariador imobiliário. Numa segunda fase, a partir de 2018, a CPE poderá ser alargada aos médicos, engenheiros, enfermeiros especializados e farmacêuticos especializados.

Existe um amplo leque de profissões que não está abrangido por este sistema de mobilidade. Espera-se que o debate que venha a ser feito sobre esta questão possa ajudar a dirimir falhas ou imperfeições e a criar um verdadeiro mercado europeu do trabalho.




Nota 1: em coautoria com Por Pedro Silva Vieira, Coordenador Nacional da Diretiva relativa ao Reconhecimento das Qualificações Profissionais.





Nota 3: versão consolidada da Diretiva em 17.1.2014 e para mais desenvolvimentos vide aqui.