Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

4 de dezembro de 2014

A videovigilância: método de controlo dos trabalhadores?

As tecnologias de geolocalização (GPS), de comunicação (e-mail) e de videovigilância colocam invariavelmente questões de proteção de dados pessoais e laborais. Vejamos, hoje, os reflexos laborais da videovigilância em alguns casos jurisprudenciais.
O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8.2.2006 declarou – e bem – ilícita, por violação do direito de reserva da vida privada, a captação de imagem através de câmaras de videovigilância instaladas no local de trabalho e direcionadas para os trabalhadores, visto que, nesse caso, a atividade laboral estaria "sujeita a uma contínua e permanente observação".
No acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16.11.2011 foi admitido o visionamento das imagens captadas pelas câmaras de videovigilância para "confirmar a actuação ilícita do trabalhador que foi atentatória da finalidade de protecção de pessoas e bens" (desvio de bens do empregador). Neste caso, o sistema de videovigilância tinha sido autorizado pela Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD).
Em sentido semelhante, no acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 9.11.2010 considerou-se que a proibição de utilização de meios de vigilância à distância no local de trabalho com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador não deve servir para proteger o comportamento do trabalhador atentatório da segurança de pessoas e bens. De facto "seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a proteção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender".
Estes casos jurisprudenciais demonstram que a utilização de sistemas de videovigilância é um foco de conflito permanente entre dois direitos fundamentais: a reserva da vida privada do trabalhador e o direito de propriedade do empregador. A recusa pura e simples da videovigilância como meio de prova de ilícitos disciplinares parece-nos manifestamente excessiva, não sendo, por isso de acolher. Contudo, uma vez cumpridas as normas relativas à instalação do sistema e à captação e arquivo de informação – nomeadamente a autorização da CNPD e o respeito pelos princípios da finalidade e da proporcionalidade –, os nossos tribunais não poderão ignorar a realidade captada por meios de vigilância à distância.
Em suma, o trabalhador não pode estar permanentemente sob os "olhos e ouvidos do empregador", mas não deve ficar numa situação mais privilegiada do que qualquer outra pessoa que possa atentar contra a segurança de pessoas e bens.
 

Em coautoria com Inês Garcia Beato.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 2.12.2014.


Vide, em especial, as seguintes orientações da CNPD:





- Princípios sobre o tratamento de dados por videovigilância (2004)


Cessação de acordo de revogação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador


De todas as formas de cessação de contrato de trabalho, a revogação por mútuo acordo é, por natureza, a mais "consensual" e pacífica. Assim, as partes – empregador e trabalhador – podem determinar o fim da relação de trabalho a qualquer momento, através de acordo escrito que pode ficar sujeito a reconhecimento presencial das assinaturas.
Na maior parte destes acordos resulta o pagamento de uma compensação pecuniária global do empregador ao trabalhador. Significa, pois, que nestes casos as partes entendem fazer cessar o contrato de trabalho mediante o pagamento do valor acordado.
No entanto, a celebração do acordo é irrevogável por parte do trabalhador?
Depende. Se a assinatura do trabalhador for objeto de reconhecimento presencial notarial, o acordo produz efeitos imediatos e irrevogáveis. Caso a assinatura não seja reconhecida, o trabalhador pode revogar o acordo até o 7.º dia posterior à data da sua celebração. Por outras palavras, nesta última situação, existe um direito de arrependimento durante aquele período de tempo que aproveita apenas ao trabalhador.
O que acontece, então, se o trabalhador revogar o acordo e não devolver a compensação pecuniária global já liquidada pelo empregador?
O Tribunal da Relação de Lisboa em acórdão de 05.11.2014 fez uma abordagem a este tema. Assim, neste arresto, o Tribunal analisou os seguintes cenários:
a. O trabalhador quando promove a cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho já recebeu o valor da compensação. Deste modo, tendo conhecimento desse facto, terá de devolver em simultâneo o montante recebido.
b. O trabalhador revoga o acordo, mas a compensação ainda não foi colocada à disposição por parte do empregador. Neste caso, tem apenas que apresentar a comunicação dentro do prazo.
c. O trabalhador comunicou atempadamente a cessação do acordo, mas a compensação é liquidada pelo empregador em data posterior. Nesta situação, o trabalhador tem de devolver os valores recebidos assim que tenha conhecimento da sua disponibilização.
Importa, pois, explicar que a obrigação de devolução do valor da compensação abrange somente os valores que o trabalhador recebeu por conta da cessação do contrato de trabalho e não aqueles a que sempre teria direito. Exemplo: Se o empregador pagou € 10.000,00 a título de compensação e proporcionais e € 1.000,00 por conta do último salário, então o trabalhador teria de devolver com a cessação do acordo a quantia de € 9.000,00. Os referidos € 1.000,00 não são devidos pelo mútuo acordo, mas pela prestação efetiva de trabalho. É um direito irrenunciável do trabalhador.
Em suma, a devolução do valor da compensação pecuniária global é um requisito de eficácia da cessação do acordo de revogação do contrato de trabalho por parte do trabalhador.


Em coautoria com Duarte Abrunhosa e Sousa.

Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 25.11.2014.

Sobre a questão da cessação do acordo de revogação, vide Ac. STJ 25.11.2014.

Ausência prolongada: suspensão e resolução do contrato de trabalho

O Supremo Tribunal de Justiça (Ac. STJ 8.10.2014) apreciou recentemente o seguinte caso:
Na sequência de um grave acidente de viação (fevereiro de 2008), o trabalhador ficou com uma incapacidade temporária para o trabalho prolongada. Após o decurso do prazo máximo de concessão do subsídio de doença (1095 dias), o trabalhador requereu a passagem à situação de reforma por invalidez, mas sem sucesso; de seguida, enviou uma carta ao empregador na qual manifestou a disponibilidade para retomar as suas funções (setembro de 2011). Tendo em conta a ausência prolongada ao trabalho por motivos de acidente, o empregador decidiu convocá-lo para uma avaliação pelo médico do trabalho, tendo indicado, sucessivamente, duas datas para a realização do exame de saúde. O trabalhador não compareceu em nenhuma das datas invocando dificuldades de deslocação, apesar de o empregador assegurar o pagamento das respetivas despesas. Menos de duas semanas depois de recusar a segunda deslocação, o trabalhador promove a resolução com justa causa do contrato de trabalho com fundamento na falta do pagamento pontual das remunerações e na violação do direito de ocupação efetiva (dezembro de 2011). Entre setembro e dezembro de 2011, a empregadora não pagou qualquer remuneração ao trabalhador, não lhe atribuiu funções nem disponibilizou instrumentos de trabalho, mas este também não se apresentou na sede da empregadora para regressar ao trabalho.
Segundo o tribunal, após uma ausência prolongada a mera comunicação de disponibilidade (ainda que condicionada) para regressar ao trabalho não é suficiente para faze cessar a suspensão do contrato de trabalho. Acresce que a lei impõe ao empregador o dever de realizar exames de saúde ocasionais nos casos de regresso ao trabalho depois de uma ausência superior a 30 dias por motivo de doença ou acidente.
Por outro lado, os motivos de recusa de deslocação aos exames médicos foram considerados injustificados. Nesse sentido, o comportamento do trabalhador impediu a demonstração e verificação da cessação do impedimento que determinara a suspensão do contrato de trabalho.
O tribunal considerou que a suspensão do contrato de trabalho não cessou com a mera manifestação de disponibilidade para regressar ao trabalho e que, por conseguinte, não se verificou qualquer violação dos direitos do trabalhador ao pagamento pontual da remuneração e à ocupação efetiva.
Em suma, a resolução do contrato de trabalho promovida pelo trabalhador foi declarada sem justa causa.
Para além da correção da decisão, cumpre-nos destacar a relevância dos exames de saúde periódicos e ocasionais para a vida laboral.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 18.11.2014.

Os turnos rotativos, o trabalho suplementar e o trabalho noturno

A remuneração dos trabalhadores contempla, em regra, a retribuição base e um subsídio de alimentação. São frequentemente atribuídas outras prestações remuneratórias, como por exemplo o subsídio de isenção de horário de trabalho, a remuneração pelo trabalho suplementar, o abono para falhas, o subsídio de prevenção ou piquete. Excecionalmente deparamo-nos, ainda, com o pagamento de diuturnidades, isto é, de uma prestação remuneratória com fundamento na antiguidade (figura em vias de extinção?).
Ora, o subsídio de turno destina-se a compensar a maior penosidade resultante da sujeição do trabalhador a jornadas de trabalho com início e termo variáveis (trabalho diurno e noturno, em diferentes dias da semana) suscetíveis de deslocar o dia de descanso semanal. Devemos ter presente que, todavia, o trabalho por turnos não impede a existência de trabalho suplementar, nomeadamente quando o trabalhador presta a sua atividade no seu dia de descanso semanal em substituição do domingo (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27.10.1999).
Por outro lado, o pagamento do subsídio de turno exclui a obrigação de pagamento da prestação por trabalho noturno, visto que "a penosidade que geralmente se atribui ao trabalho noturno já está contemplada no âmbito da que é atribuída ao trabalho por turnos" (cf. Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 02.11.2005).
Por fim, de acordo com o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.1.2007, "não tendo o trabalhador sido contratado expressamente para praticar determinado horário, a entidade empregadora pode retirá-lo do regime de trabalho em turnos rotativos em que vinha trabalhando e colocá-lo a trabalhar em regime de horário de trabalho fixo". Neste caso, o empregador pode deixar de pagar o subsídio de turnos, visto que o princípio da irredutibilidade da retribuição não abrange "as parcelas que estão associadas a situações de desempenho específicas (isenção de horário de trabalho, por ex.), a maior trabalho (prestação de trabalho suplementar) ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade e esforço (por ex., trabalho por turnos ou noturno), ou a factos relacionados com a assiduidade do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido".
A gestão dos tempos de trabalho é um elemento muito importante na vida das empresas e dos trabalhadores, sendo, por isso, importante conhecer a legislação laboral e a sua concretização pelos nossos tribunais. A riqueza do dia-a-dia das empresas leva-nos a referir que a breve nota de casos jurisprudenciais não deve dispensar o estudo das circunstâncias do caso concreto.


Em coautoria com Inês Garcia Beato.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 11.11.2014.

O "Facebook" e as relações laborais: casos recentes


As redes sociais e a disseminação de "smartphones" transformaram a vida em sociedade. Se por um lado este mundo virtual tem as inegáveis vantagens de nos aproximar daqueles que estão longe e de permitir uma difusão rápida e em massa da informação, por outro pode constituir uma barreira ao mundo real (pense-se, por exemplo, nos jantares em que, a certa altura, os presentes decidem ver as novidades dos últimos minutos – ou segundos – nas redes socias).
Mais recentemente tem sido colocada a questão dos reflexos laborais deste mundo virtual. Será que as declarações de um trabalhador no "Facebook" ou noutra rede social podem constituir justa causa de despedimento, nomeadamente quando têm um conteúdo difamatório ou injurioso do empregador, do superior hierárquico ou de um colega?
Desde logo coloca-se a questão da confidencialidade das mensagens, da sua natureza pública ou privada. Para o efeito, os tribunais têm valorado, nomeadamente, os seguintes índices: (i) tipo de serviço onde a informação é divulgada ("perfil pessoal", "página" e "mural"); (ii) composição da rede social, número e características dos membros (em particular, o elo de ligação entre si e o grau de proximidade ao administrador da conta); (iii) matéria sobre a qual incidem as publicações (pessoal ou profissional) ou ainda; (iv) a política de privacidade adotada.
Os nossos tribunais têm sublinhado que o facto de a informação ser apenas partilhada entre os "amigos" não significa necessariamente que o "post" tenha natureza pessoal, tendo em conta o número efetivo ou potencial de utilizadores com acesso à informação e facilidade na transmissão e retransmissão (veja-se, nesse sentido, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 24.09.2014).
É indiscutível que os trabalhadores têm direito à liberdade de expressão e de pensamento na empresa, visto que não deixam de ser pessoas durante a execução de um contrato de trabalho. Todavia, de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 8.9.2014, "é inaceitável que a liberdade de expressão e de comunicação não tenha qualquer tipo de limites externos", nomeadamente os direitos de personalidade do empregador, incluindo os seus representantes, e dos demais colegas de trabalho, bem como o normal funcionamento da empresa.
Assim, o dever de o trabalhador tratar com urbanidade, probidade e respeito o empregador, os seus superiores hierárquicos e colegas de trabalho está igualmente presente no mundo virtual das redes sociais.


Em coautoria com Inês Garcia Beato.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 4.11.2014.

O novo salário mínimo nacional e a novíssima medida excecional de apoio ao emprego


A remuneração mínima mensal garantida (RMMG) – ou salário mínimo nacional – foi atualizada para o valor de € 505,00, a partir de 1.10.2014. Esta atualização produz igualmente efeitos nas prestações complementares que são calculadas sobre a remuneração base (v.g. subsídios de férias e de Natal e remuneração do trabalho suplementar).
O aumento da RMMG tem, igualmente, efeitos reflexos nos seguros de acidentes de trabalho, visto que a seguradora só responde em relação à remuneração declarada para efeito do prémio de seguro, a qual não pode ser inferior à RMMG.
De referir que se a remuneração real (v.g. remuneração base e prestações regulares) for superior, o empregador responderá pessoalmente pela diferença relativa às indemnizações por incapacidade temporária e pensões devidas, bem como pelas despesas efetuadas com a hospitalização e assistência clínica, na respetiva proporção.
Por isso, independentemente da questão do aumento da RMMG, é aconselhável que o empregador reveja periodicamente a conformidade entre a remuneração real e a remuneração declarada para efeitos do seguro de acidentes de trabalho, sob pena de ser "surpreendido" com responsabilidade civil emergente de eventos infortunosos de carácter laboral.
Para fazer face ao aumento dos custos associados à atualização da RMMG foi recentemente aprovada uma medida excecional de apoio ao emprego que se traduz na redução em 0,75 pontos percentuais da taxa contributiva a cargo do empregador, relativamente às contribuições referentes às remunerações devidas nos meses de novembro de 2014 a janeiro de 2016, nas quais se incluem os valores devidos a título de subsídios de férias e de Natal. Esta redução é concedida oficiosamente pelos serviços de segurança social, salvo no caso de trabalhadores com contrato de trabalho a tempo parcial.
O direito à redução da taxa contributiva depende da verificação cumulativa das seguintes condições: a) o trabalhador estar vinculado ao empregador beneficiário por contrato de trabalho sem interrupção pelo menos desde maio de 2014; b) o trabalhador ter auferido, pelo menos num dos meses compreendidos entre janeiro e agosto de 2014, remuneração igual ao valor da RMMG; e c) o empregador ter a sua situação contributiva regularizada perante a segurança social.


Em coautoria com Inês Garcia Beato.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 28.10.2014.

A união de facto e o regime laboral de justificação de faltas

No cumprimento do contrato de trabalho, as partes devem proceder de boa-fé, competindo ao empregador, nomeadamente, proporcionar boas condições de trabalho e pagar pontualmente a retribuição e ao trabalhador, por exemplo, comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade e realizar o trabalho com zelo e diligência.
O absentismo laboral é um dos problemas que se coloca frequentemente. De acordo com o Código do Trabalho, considera-se falta a ausência de trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho (por exemplo, 8 horas por dia).
Os atrasos são igualmente perturbadores do normal funcionamento da organização. Assim, se o atraso for superior a 60 minutos para início do trabalho diário, o empregador pode não aceitar a prestação de trabalho durante todo o período normal de trabalho; por seu lado, se o atraso for superior a 30 minutos para início do trabalho diário, o empregador pode não aceitar a prestação de trabalho durante essa parte do período normal de trabalho (por exemplo, na parte da manhã até à pausa para o almoço). Nesse caso, a ausência será qualificada como falta injustificada.
As faltas injustificadas determinam a perda da retribuição, não são contadas na antiguidade do trabalhador e podem determinar a aplicação de sanções disciplinares, designadamente o despedimento.
O legislador consagra um conjunto amplo de causas justificativas das ausências. Entre elas, contam-se as faltas por motivo de falecimento de cônjuge, parente ou afim. Nesse caso, o trabalhador pode faltar justificadamente: (i) até 5 dias consecutivos, por falecimento de cônjuge não separado de pessoas e bens ou de parente ou afim no 1.º grau da linha reta (pais, sogros, filhos e adotados); e (ii) até 2 dias consecutivos, por falecimento de outro parente ou fim da linha reta (avós, bisavós, netos, bisnetos) ou no 2.º grau da linha colateral (irmãos, cunhados).
As pessoas que vivem em união de facto nas condições previstas na lei têm direito a beneficiar de regime jurídico equiparado ao aplicável a pessoas casadas vinculadas por contrato de trabalho, em matéria de férias, feriados, faltas e licenças.
Sobre esta questão pronunciou-se o Tribunal da Relação do Porto no Acórdão de 6.10.2014. No caso em apreço, o trabalhador faltou 3 dias e meio com fundamento no falecimento do pai da sua companheira, com a qual vivia em união de facto há cerca de 13 anos e da qual tinha uma filha com 12 anos de idade. O tribunal considerou as faltas injustificadas, mas desvalorizou a relevância disciplinar do comportamento do trabalhador "atenta a equiparação das situações de união de facto à dos cônjuges, seja decorrentes da lei (…), seja até de um sentimento social que vai generalizando, incluindo quanto à utilização nas uniões de facto de denominações próprias das relações de parentesco ou afinidade decorrentes do casamento".


Em coautoria com Inês Garcia Beato.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 21.10.2014.

Assédio moral, constrangimento profissional ou conflito laboral?

Enquanto relações interpessoais, as relações laborais são vulneráveis a conflitos.

Nesse âmbito, não raro o trabalhador reclama o reconhecimento judicial de situações que qualifica de assédio moral ("mobbing"), peticionando o pagamento de avultadas indemnizações a título de danos morais.

Não obstante, os tribunais concluem amiúde que tais situações correspondem ao regular exercício do poder de direção do empregador, dentro dos limites da lei e do contrato, enquanto corolário da gestão normal do funcionamento da empresa.

Devemos referir que o assédio moral consiste no comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.

A jurisprudência portuguesa tem distinguido o assédio moral de situações que constituem simples constrangimentos profissionais resultantes de decisões legítimas advenientes da organização no trabalho.

A título de exemplo, os tribunais têm entendido que as seguintes situações não constituem, necessariamente, assédio moral: (i) a alteração dos projetos cometidos ao trabalhador, ditada por razões de ordem empresarial; (ii) oferta de cabazes de Natal aos trabalhadores que registam um maior volume de faturação; (iii) a redefinição ou alteração do local de trabalho, norteada por critérios de gestão empresarial (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 21.04.2010); (iv) a supressão do regime de isenção de horário de trabalho e da respetiva retribuição (salvo se constituiu elemento essencial para o trabalhador aquando da celebração do contrato); (v) a imposição de uso de viatura automóvel para fins estritamente profissionais ou; (vi) as avaliações de desempenho (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26.09.2011).

Podem, porventura, ocorrer situações nas quais a conduta do empregador constitui violação de um dever legal ou contratual (por exemplo, violação do dever de urbanidade), sem que se verifique, necessariamente, uma conduta persecutória intencional do empregador que configure uma situação de assédio.

Por outro lado, a existência de tensão entre o trabalhador e o empregador não corresponde necessariamente a um comportamento de assédio moral.

É atualmente pacífico que o "mobbing" não se confunde com conflitos existentes nas organizações empresariais, nomeadamente, quadros de sintomatologia de "stress" associadas a especiais circunstâncias (como cargos de grande responsabilidade), conflitos interpessoais, agressões ocasionais não premeditadas, condições de trabalho (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 7.03.2013) ou a existência de uma relação profissional dura, pelo facto de a chefia ser muito exigente e pouco cordata (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 26.09.2011).

Importa não esquecer que o poder do empregador de determinar, dirigir e orientar a atividade laboral tem fundamento constitucional na liberdade de iniciativa económica, mas encontra-se necessariamente condicionado pela força vinculante dos direitos fundamentais do trabalhador.

Em coautoria com Inês Garcia Beato.



Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 14.10.2014.

As federações desportivas e as profissões

As federações desportivas são associações sem fins lucrativos que, entre outras finalidades, visam promover, regulamentar e dirigir a nível nacional a prática de uma modalidade desportiva ou de um conjunto de modalidades afins ou associadas. Estas entidades podem obter o estatuto de pessoa coletiva de utilidade pública desportiva, o qual confere a competência para o exercício, em exclusivo, por modalidade ou conjunto de modalidades, de poderes (públicos) regulamentares, disciplinares e outros de natureza pública (v.g. a regulamentação dos quadros competitivos da modalidade, a atribuição de títulos nacionais e o exercício da ação disciplinar sobre todos os agentes desportivos sob a sua jurisdição).
Dir-se-ia, à primeira vista, que as federações desportivas não têm qualquer relação com o acesso e exercício de profissões, visto que tratam de matérias essencialmente desportivas. Todavia, encontramos neste sector de atividade – com uma relevância económica, financeira e mediática muito significativa – diversos profissionais: praticantes, técnicos, dirigentes, agentes e árbitros. Podíamos dizer que estas pessoas não exercem profissões e que se dedicam ao associativismo desportivo e à prática desportiva por "hobby" ou paixão. Não podemos negar, porém, a existência de profissões no desporto – não escondemos que seja um tema sensível atendendo à especificidade da "lex sportiva" – e, a partir desse momento, por razões constitucionais, temos de estar atentos às restrições ao acesso e exercício das profissões.
A Constituição da República Portuguesa consagra a liberdade fundamental de livre escolha da profissão (art. 47.º); assim as restrições ou os condicionamentos de acesso, de exercício e de permanência na profissão (v.g., qualificações profissionais necessárias, regimes de incompatibilidades, sanções disciplinares, entre outros) devem observar a reserva de lei, isto é, devem constar de lei da Assembleia da República ou de decreto-lei do Governo previamente autorizado pela Assembleia da República.
Uma das alterações introduzidas recentemente no regime jurídico das federações desportivas consistiu na reformulação das normas relativas aos conselhos de disciplina e justiça para impor uma maioria de licenciados em direito, visto que, como (bem) reconhece o legislador no preâmbulo do diploma, trata-se de "matéria de acrescida relevância no exercício de poderes públicos: o exercício do poder disciplinar".
Esta preocupação deveria ter encontrado tradução também num esforço de tipificação das sanções admissíveis e dos limites sancionatórios (em especial no caso de sanções impeditivas do exercício da profissão). Este tipo de matérias, salvo melhor opinião, bule diretamente com o núcleo essencial da liberdade fundamental de acesso e exercício da profissão.
Nesse sentido, temos sérias dúvidas sobre a validade de um regime jurídico – aprovado por uma associação privada – que consagra a sanção de exclusão das competições profissionais dos árbitros, árbitros assistentes, observadores de árbitros e delegados da Liga (veja-se o Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa Futebol Profissional). A competência para exercer o poder (público) disciplinar não deverá incluir a possibilidade de criar sanções impeditivas do exercício de uma profissão, ainda que secundária, ao sabor de maiorias conjunturais no seio de associações privadas. Ao invés de excluir apenas as sanções de irradiação ou de duração indeterminada, o legislador podia ter consagrado, pelo menos, um catálogo de sanções e previsto a possibilidade de reabilitação. No desporto, uma sanção de suspensão da atividade por 10 anos pode equivaler ao fim da carreira profissional e, no entanto, cumpre o limite previsto no regime jurídico das federações desportivas (o qual é, aliás, um decreto-lei sem lei de autorização legislativa).


Em coautoria com João Lobão.
Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 7.10.2014.

Novo Salário Mínimo Nacional


Em 2006 a RMMG tinha o valor de €385,90. Nesse ano, foi celebrado um acordo de concertação social que previa o aumento faseado da RMMG: (i) 2007: €403,00; (ii) 2009: €450,00; e (iii) 2011: €500,00. Apenas no último trimestre de 2014 foi ultrapassada a barreira dos €500,00.
Antevê-se que o aumento da RMMG constitua um argumento de negociação coletiva para a revisão das tabelas salariais das convenções coletivas de trabalho, na medida em que se reduzem (ou eliminam) as diferenças remuneratórias entre categorias profissionais. Nesse sentido, a "revisão em alta" da RMMG conduz à subida do nível salarial global e, por esse motivo, vários autores alertaram, nos últimos meses, para o risco do aumento do desemprego. Esperemos que este vaticínio não se concretize.
O diploma em apreço levanta uma questão: se o valor de €505,00 vigora apenas entre 1.10.2014 e 31.12.2015 e se os sucessivos diplomas que regulam a RMMG revogaram (sempre) os seus antecessores, o que sucederá se, até 31.12.2015, não for aprovado outro valor de RMMG? Deixa de haver RMMG?
Esta questão será naturalmente debatida na comissão tripartida com representantes do Governo e dos Parceiros Sociais com assento na Comissão Permanente de Concertação Social. O objetivo desta comissão será a definição dos critérios para as futuras atualizações da RMMG, tendo em conta a produtividade, a competitividade e a política de rendimentos e de preços. Aguardemos pelos resultados.
Uma última nota. O aumento da RMMG deverá ser compensado com uma diminuição temporária de 0,75% da taxa contributiva global (também conhecida por "taxa social única"). De referir que até à data – e hora – em que escrevemos estas breves linhas, não tinha sido ainda publicado em Diário da República este regime complementar ao aumento da RMMG.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 1.10.2014.

A colocação de jogadores na equipa B: ato de gestão desportiva ou perseguição?

A colocação de jogadores na equipa B: ato de gestão desportiva ou perseguição?
Surgem, frequentemente, notícias de jogadores de futebol que, após não aceitarem determinada "orientação" ou "proposta" do empregador (por exemplo, para reduzir substancialmente o salário, terminar o seu vinculo exonerando o clube das responsabilidades contratuais assumidas ou para aceitar a transferência para o Clube X), são "colocados a treinar" com a equipa B, outros não são inscritos na Liga Profissional de Futebol e outros ainda são colocados a treinar à margem do grupo normal de trabalho. Estas decisões são vistas pelos adeptos dos clubes como "castigos normais" para quem não cumpre "as regras do Clube". Olhemos para esta questão sob uma perspectiva "menos apaixonada".
Em primeiro lugar, cumpre afastar a ideia do "castigo normal". Por um lado, a recusa de redução do salário ou de aceitar a transferência para o Clube X não constituem ilícitos disciplinares aos quais seja aplicável uma sanção disciplinar. Por outro lado, não ignorando que qualquer sanção disciplinar deve ser precedida de um procedimento disciplinar no qual sejam garantidas ao arguido as adequadas garantias de defesa, a "pena" aplicada ao jogador deve-se circunscrever ao rol de sanções previstas no Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva e no Contrato Colectivo de Trabalho.
Em segundo lugar, cabe colocar a questão de saber se aqueles comportamentos podem ser qualificados como assédio.
As equipas B nascem da necessidade de proporcionar condições favoráveis aos jovens jogadores para se afirmarem num patamar competitivo superior, assumindo, desse modo, um cariz essencialmente formativo (cfr, por exemplo, o Regulamento de Competições Profissionais de Futebol da Liga Portuguesa de Futebol Profissional).
Será, assim, admissível a colocação nas equipas B de jogadores de futebol, internacionais pelos seus países e com vários anos de experiência?
O Supremo Tribunal Federal suíço ("Schweizerisches Bundesgericht") considerou legítima a resolução do contrato de trabalho com justa causa promovida pelo jogador na sequência da sua colocação na equipa sub-21 (equivalente à equipa B), na medida em que contrariava o espirito subjacente à sua contratação, bem como as fundadas ambições do jogador. Neste acórdão, reconhece-se a importância da disciplina numa equipa de futebol no âmbito das competições profissionais; mas não se olvida que o trabalhador tem um interesse legítimo em prestar a sua actividade profissional, sob pena de se desvalorizar e de colocar em risco o seu futuro profissional. No caso, um jogador de futebol profissional de primeira divisão deve treinar regularmente com os jogadores do seu nível e disputar os jogos com as equipas de nível mais elevado. De outro modo colocará em causa o seu valor e futuro profissionais (caso Eddy Barea / Neuchâtel Xamax (2011)).
Todavia, devemos referir que, em determinados casos, a colocação de jogadores na equipa B pode ser justificada por razões de ordem técnica ou táctica (por exemplo, a recuperação de um jogador vindo de uma lesão prolongada com o intuito de mais rapidamente adquirir o seu ritmo competitivo).


Em coautoria com João Lobão.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 30.9.2014

O contrato de estágio: uma janela de oportunidade?


Portugal tem registado uma redução progressiva da taxa de desemprego, embora esta se mantenha ainda elevada (segundo o Instituto Nacional de Estatística: 17,5% no 1.º trimestre de 2013 e 13,9% no 2.º trimestre de 2014). Este facto pode resultar da combinação de diversos fatores como (i) o aumento da emigração, (ii) o crescimento do PIB, (iii) a maior flexibilidade da legislação laboral e (iv) a redução do valor real dos salários.
No que toca à flexibilidade da legislação laboral deve referir-se que a Reforma Laboral de 2011-2012 permitiu a Portugal descer significativamente no índice de rigidez da legislação do trabalho, organizado pela OCDE (ainda que mantenha uma posição de liderança); por outro lado, existem vários instrumentos que visam promover a entrada – ou reentrada – no mercado de trabalho.
O Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) é responsável por um amplo catálogo de políticas ativas de apoio à contratação, nomeadamente (i) o Estímulo Emprego, (ii) o Incentivo Emprego e (iii) os Estágios Emprego.
Por outro lado, o Código do Trabalho permite a celebração de contratos de trabalho a termo certo com fundamento na contratação de pessoa à procura de primeiro emprego (duração máxima de 18 meses).
Por fim, cumpre referir o – por vezes esquecido – contrato de estágio, o qual consiste na formação prática em contexto de trabalho, com o objetivo de complementar e aperfeiçoar as competências do estagiário e, desse modo, potenciar a sua inserção ou reconversão profissional.
Este contrato pode ter uma duração máxima de 12 meses e confere ao estagiário o direito a (i) subsídio de estágio com um valor mínimo de € 419,22 (corresponde ao indexante dos apoios sociais (IAS) para 2014), a (ii) subsídio de refeição ou a refeição fornecida pela entidade promotora do estágio e a (iii) seguro de acidentes pessoais. Nos estágios com uma duração de até 3 meses pode ser dispensado o subsídio de estágio. Opcionalmente, o estagiário pode inscrever-se no Seguro Social Voluntário.
Há, no entanto, que tomar atenção a alguns aspetos: (i) o contrato de estágio deve ser celebrado por escrito, (ii) a entidade promotora do estágio deve designar um orientador de estágio, que não pode acompanhar mais de 3 estagiários, e (iii) o orientador deve elaborar o plano individual de estágio, realizar o acompanhamento técnico e pedagógico do estagiário e avaliar os resultados obtidos. O não cumprimento do regime jurídico pode tornar o estagiário num trabalhador efetivo da empresa.
Uma última questão: após o estágio pode ser celebrado um contrato de trabalho a termo? Sim, desde que sejam cumpridos os requisitos relativos ao contrato de trabalho a termo, visto que o contrato de estágio não configura uma relação laboral e tem finalidades distintas às do contrato de trabalho.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 23.9.2014.


Vide, por exemplo, Lei n.º 53/2011 e Lei n.º 23/2012.