Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...
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4 de dezembro de 2014

Ausência prolongada: suspensão e resolução do contrato de trabalho

O Supremo Tribunal de Justiça (Ac. STJ 8.10.2014) apreciou recentemente o seguinte caso:
Na sequência de um grave acidente de viação (fevereiro de 2008), o trabalhador ficou com uma incapacidade temporária para o trabalho prolongada. Após o decurso do prazo máximo de concessão do subsídio de doença (1095 dias), o trabalhador requereu a passagem à situação de reforma por invalidez, mas sem sucesso; de seguida, enviou uma carta ao empregador na qual manifestou a disponibilidade para retomar as suas funções (setembro de 2011). Tendo em conta a ausência prolongada ao trabalho por motivos de acidente, o empregador decidiu convocá-lo para uma avaliação pelo médico do trabalho, tendo indicado, sucessivamente, duas datas para a realização do exame de saúde. O trabalhador não compareceu em nenhuma das datas invocando dificuldades de deslocação, apesar de o empregador assegurar o pagamento das respetivas despesas. Menos de duas semanas depois de recusar a segunda deslocação, o trabalhador promove a resolução com justa causa do contrato de trabalho com fundamento na falta do pagamento pontual das remunerações e na violação do direito de ocupação efetiva (dezembro de 2011). Entre setembro e dezembro de 2011, a empregadora não pagou qualquer remuneração ao trabalhador, não lhe atribuiu funções nem disponibilizou instrumentos de trabalho, mas este também não se apresentou na sede da empregadora para regressar ao trabalho.
Segundo o tribunal, após uma ausência prolongada a mera comunicação de disponibilidade (ainda que condicionada) para regressar ao trabalho não é suficiente para faze cessar a suspensão do contrato de trabalho. Acresce que a lei impõe ao empregador o dever de realizar exames de saúde ocasionais nos casos de regresso ao trabalho depois de uma ausência superior a 30 dias por motivo de doença ou acidente.
Por outro lado, os motivos de recusa de deslocação aos exames médicos foram considerados injustificados. Nesse sentido, o comportamento do trabalhador impediu a demonstração e verificação da cessação do impedimento que determinara a suspensão do contrato de trabalho.
O tribunal considerou que a suspensão do contrato de trabalho não cessou com a mera manifestação de disponibilidade para regressar ao trabalho e que, por conseguinte, não se verificou qualquer violação dos direitos do trabalhador ao pagamento pontual da remuneração e à ocupação efetiva.
Em suma, a resolução do contrato de trabalho promovida pelo trabalhador foi declarada sem justa causa.
Para além da correção da decisão, cumpre-nos destacar a relevância dos exames de saúde periódicos e ocasionais para a vida laboral.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 18.11.2014.

A colocação de jogadores na equipa B: ato de gestão desportiva ou perseguição?

A colocação de jogadores na equipa B: ato de gestão desportiva ou perseguição?
Surgem, frequentemente, notícias de jogadores de futebol que, após não aceitarem determinada "orientação" ou "proposta" do empregador (por exemplo, para reduzir substancialmente o salário, terminar o seu vinculo exonerando o clube das responsabilidades contratuais assumidas ou para aceitar a transferência para o Clube X), são "colocados a treinar" com a equipa B, outros não são inscritos na Liga Profissional de Futebol e outros ainda são colocados a treinar à margem do grupo normal de trabalho. Estas decisões são vistas pelos adeptos dos clubes como "castigos normais" para quem não cumpre "as regras do Clube". Olhemos para esta questão sob uma perspectiva "menos apaixonada".
Em primeiro lugar, cumpre afastar a ideia do "castigo normal". Por um lado, a recusa de redução do salário ou de aceitar a transferência para o Clube X não constituem ilícitos disciplinares aos quais seja aplicável uma sanção disciplinar. Por outro lado, não ignorando que qualquer sanção disciplinar deve ser precedida de um procedimento disciplinar no qual sejam garantidas ao arguido as adequadas garantias de defesa, a "pena" aplicada ao jogador deve-se circunscrever ao rol de sanções previstas no Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva e no Contrato Colectivo de Trabalho.
Em segundo lugar, cabe colocar a questão de saber se aqueles comportamentos podem ser qualificados como assédio.
As equipas B nascem da necessidade de proporcionar condições favoráveis aos jovens jogadores para se afirmarem num patamar competitivo superior, assumindo, desse modo, um cariz essencialmente formativo (cfr, por exemplo, o Regulamento de Competições Profissionais de Futebol da Liga Portuguesa de Futebol Profissional).
Será, assim, admissível a colocação nas equipas B de jogadores de futebol, internacionais pelos seus países e com vários anos de experiência?
O Supremo Tribunal Federal suíço ("Schweizerisches Bundesgericht") considerou legítima a resolução do contrato de trabalho com justa causa promovida pelo jogador na sequência da sua colocação na equipa sub-21 (equivalente à equipa B), na medida em que contrariava o espirito subjacente à sua contratação, bem como as fundadas ambições do jogador. Neste acórdão, reconhece-se a importância da disciplina numa equipa de futebol no âmbito das competições profissionais; mas não se olvida que o trabalhador tem um interesse legítimo em prestar a sua actividade profissional, sob pena de se desvalorizar e de colocar em risco o seu futuro profissional. No caso, um jogador de futebol profissional de primeira divisão deve treinar regularmente com os jogadores do seu nível e disputar os jogos com as equipas de nível mais elevado. De outro modo colocará em causa o seu valor e futuro profissionais (caso Eddy Barea / Neuchâtel Xamax (2011)).
Todavia, devemos referir que, em determinados casos, a colocação de jogadores na equipa B pode ser justificada por razões de ordem técnica ou táctica (por exemplo, a recuperação de um jogador vindo de uma lesão prolongada com o intuito de mais rapidamente adquirir o seu ritmo competitivo).


Em coautoria com João Lobão.


Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 30.9.2014