O exercício do poder disciplinar do empregador deve cumprir um determinado procedimento, o qual, salvo melhor opinião, pode variar em função da sanção disciplinar potencialmente aplicável. Dito de outro modo, podemos ter um procedimento disciplinar especial para aplicação, no limite, de um despedimento-sanção; ou um procedimento disciplinar comum para aplicação de uma sanção não extintiva do vínculo jurídico-laboral.
Coloca-se a questão de saber qual é o prazo de impugnação de sanções conservatórias ou não extintivas do vínculo jurídico-laboral. Trata-se de uma matéria muito discutida na jurisprudência e na doutrina.
Podemos identificar duas vias argumentativas:
a) O prazo começa a correr após a cessação do contrato de trabalho, por aplicação do art. 337.º, n.º1; ou
b) O prazo começa a correr no dia seguinte ao da comunicação da aplicação da sanção, por aplicação do art. 287.º, n.º1, do CC.
No Ac.TC n.º 185/2004 (Mário Torres), o TC decidiu não julgar inconstitucional a norma de acordo com a qual o prazo de impugnação judicial de decisão de sanção disciplinar de um dia de suspensão sem vencimento prescreve no prazo de um ano contado desde a data de comunicação da aplicação da respectiva sanção, mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado.
Segundo o TC,
O prazo de um ano para impugnar uma sanção de gravidade inferior à de despedimento, a contar da data da comunicação da aplicação dessa sanção, não é, manifestamente, um prazo desadequado ou desproporcionado, que dificulte gravemente o exercício desse direito impugnatório.
(…)
A este respeito – e independentemente da questão de saber se o regime de prescrição dos créditos laborais constante do artigo 38.º, n.º 1, da LCT é o único constitucionalmente admissível – há que reconhecer que, no que respeita à impugnação de sanções disciplinares, ocorrem ponderosas razões de paz jurídica, a reclamar que não se deixe protelar excessivamente no tempo a solução desses litígios, que tornam constitucionalmente conforme a interpretação acolhida na decisão recorrida de que o prazo de tal impugnação corre mesmo na vigência da relação laboral (sublinhado nosso).
Este mês, no Ac. STJ 12.2.2014(Leones Dantas), o STJ apresenta-nos, de forma detalhada, o estado da arte e concluiu:
Como vimos, a impugnação em geral de sanções disciplinares diversas do despedimento deve ocorrer no prazo de um ano após a comunicação da decisão sancionatória, sob pena de caducidade, não havendo qualquer razão válida para afastar a orientação definida nesta Secção e há muito sedimentada (sublinhado nosso).
Todavia, no que toca à impugnação de uma sanção abusiva, sustenta o STJ:
Relativamente a este tipo de sanções, e face ao regime de prescrição que lhes é aplicável, cedem os interesses que estão subjacentes ao regime de impugnação em geral das sanções disciplinares e que motivaram a jurisprudência definida por esta Secção, o que decorre do exercício abusivo do poder disciplinar e da violação de direitos que está inerente à respectiva aplicação.
(…)
Refira-se que se não se demonstrar a natureza abusiva da sanção aplicada, em acção instaurada após o decurso do prazo de um ano contado a partir da comunicação da decisão, o atinente direito de acção terá de se considerar caducado com fundamento no seu exercício intempestivo (sublinhado nosso).
Acompanhamos a posição assumida pelo STJ.
Sobre esta questão, vide o seguinte artigo (muito recente): Ana Cristina Ribeiro Costa, "Notas sobre o prazo para a impugnação judicial da sanção disciplinar distinta do despedimento – a eterna lacuna da legislação laboral", QL, n.º 42, 201
Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...
24 de fevereiro de 2014
18 de fevereiro de 2014
A convergência das pensões e o princípio da confiança
No passado dia 19 de dezembro de 2013, o Tribunal Constitucional (TC) declarou inconstitucional, por unanimidade, o regime de convergência do sistema de pensões aprovado pela Assembleia da República (Acórdão n.º 862/2013) no seguimento de um pedido de fiscalização da constitucionalidade, apresentado pelo Presidente da República, de normas constantes do Decreto da Assembleia da República n.º 187/XII com fundamento, por um lado, nos princípios da unidade do imposto sobre o rendimento, da capacidade contributiva, da progressividade, da universalidade e da igualdade e, por outro, no princípio da proteção da confiança.
O regime jurídico em discussão visava a aproximação da taxa de substituição do salário por pensão atribuída pela Caixa Geral de Aposentações (CGA) à taxa de substituição utilizada nas pensões atribuídas pela Segurança Social. Esta aproximação conduziria à redução do valor da pensão no âmbito da relação jurídica de aposentação e, como tal, trata-se de uma matéria de Direito da segurança social (art. 63.º, n.º3, da Constituição da República Portuguesa, doravante "CRP").
O TC afastou, por isso e desde logo, o juízo de inconstitucionalidade com fundamento nos princípios da unidade do imposto sobre o rendimento, da capacidade contributiva, da progressividade, da universalidade e da igualdade (arts. 104.º e 13.º da CRP).
Afastada a questão fiscal, o acórdão não coloca em causa que a ideia da concretização dos direitos sociais em função dos recursos disponíveis em cada momento histórico e distingue a preservação de um núcleo essencial desses direitos do princípio da proibição do retrocesso social, o qual não pode pressupor que os recursos financeiros são sempre crescentes no futuro.
Nesse sentido, a possibilidade de redução do valor da pensão como forma de garantir um conteúdo mínimo fundamental não pode ser afastada. Com efeito, o reconhecimento constitucional do direito à pensão não significa que se possa afirmar o direito a uma determinada pensão. Todavia, a partir da sua concretização legal, o direito à pensão passa a beneficiar da proteção específica correspondente, nomeadamente dos princípios estruturantes do Estado de Direito, como a proteção da confiança ou da proporcionalidade, apenas podendo ser suprimidos ou diminuídos com observância desses mesmos princípios.
O TC teve em consideração os princípios da sustentabilidade (art. 105.º, n.º1, al. b), da CRP), da justiça intergeracional (art. 66.º, n.º2, al. d), da CRP) e da unidade do sistema de segurança social (art. 63.º, n.º2, da CRP).
No entanto, cumpre referir que, tendo em conta que o sistema previdencial é um sistema de repartição, no qual as pensões são suportadas pelas contribuições dos trabalhadores no ativo e respetivos empregadores (pay-as-you-go), o TC abre uma janela à criação de uma contribuição para a segurança social dos atuais beneficiários, por força dos princípios da solidariedade e da justiça intergeracional, nomeadamente quando as contribuições sejam insuficientes para pagar as pensões.
Após o reconhecimento ou a verificação dos requisitos necessários ao reconhecimento, o direito à pensão assume a natureza de direito subjetivo e incorpora o património do aposentado. Por esse motivo, é merecedor de uma proteção mais intensa quando comparado com o direito em formação dos futuros beneficiários, os quais podem contar com a alteração do regime jurídico e reajustar os seus planos de vida em conformidade.
Ao invés, os pensionistas estão numa situação de vulnerabilidade, porque saíram da vida ativa, mas também devido à idade avançada ou à incapacidade, o que lhes impede de refazer a sua vida e a situação económica, nomeadamente através da obtenção de fontes de rendimento complementares.
A pedra-de-toque reside, assim, no princípio da tutela da confiança. Em especial, cumpre saber se o interesse público na diminuição das transferências do Orçamento de Estado para a CGA – medida de consolidação orçamenta pelo lado da despesa – justifica a redução do valor das pensões dos seus beneficiários.
Com o fecho a novas inscrições na CGA em 2006, o sistema deixou de ser autofinanciado e autossustentado e, por isso, o ónus da insustentabilidade financeira ficou dividido entre os beneficiários, presentes ou futuros, da CGA e o Orçamento de Estado. Por conseguinte, a redução de pensões não é uma medida com virtualidade para garantir a sustentabilidade de um sistema que, por ser fechado, é em si mesmo insustentável a médio e longo prazo. O recurso aos impostos e a formas de financiamento alternativo tornou-se, nessa altura, inevitável.
Por outro lado, o ónus de insustentabilidade financeira deve ser, também, repartido entre os beneficiários da CGA e os beneficiários do sistema geral da Segurança Social, isto é, a medida não pode ser dirigida apenas a uma parte dos beneficiários, sob pena de ser assimétrica ou avulsa e de visar um fim estranho ao sistema público de pensões unificado: evitar o aumento das transferências do Orçamento do Estado à custa apenas de uma parte dos beneficiários.
Por fim, a medida legislativa em apreço não permite uma equiparação real, mas meramente nominal entre sistemas, visto que, desde os primeiros tempos, foram aplicados critérios diferenciados de cálculo das pensões que ainda hoje persistem.
Mais, por força do princípio da tutela da confiança, a alteração do regime não poderia ser imediata, visto que aos beneficiários deve ser concedido um período de tempo para ajustar a sua vida às novas condições económicas. Dito de outro modo, a alteração não poderia ser abrupta, repentina e inesperada, nomeadamente porque o fim visado – a sustentabilidade financeira da segurança social – é de médio e longo prazo e o direito à pensão visa responder a necessidades imediatas e essenciais do pensionista e do seu agregado familiar.
De referir que o Acórdão do TC conta com uma declaração de voto que sustenta que a fixação de um limiar de € 600,00 a partir do qual se aplica a redução ou recálculo das pensões atinge valores que, num juízo de normalidade, são integralmente alocados para fazer face a despesas obrigatórias e imprescindíveis à satisfação das normas necessidades e compromissos do pensionista – ultrapassando a medida razoável do sacrifício que pode ser exigido a estes cidadãos e atingindo excessivamente os mais desfavorecidos.
Em suma, o TC não afasta, por um lado, a possibilidade de os beneficiários de pensões contribuírem para a sua sustentabilidade e aponta, por outro lado, para uma revisão do sistema de segurança social considerado que tenha em consideração a sua globalidade, as bases de cálculo e as taxas de substituição e que incluía uma fase de transição.
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