Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

31 de julho de 2014

Recurso de revista excecional

Neste Ac. TC n.º 548/2014 (Maria José Rangel Mesquita), o TC decidiu julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no art. 20.º, n.º 4, da CRP, a norma constante do art. 721º-A, n.º 2, c), do CPC (atual art. 672.º, n.º2, al. c), do nCPC), interpretado no sentido de que no recurso de revista excecional cabe ao recorrente juntar certidão do acórdão-fundamento, com o requerimento de interposição de recurso, sob pena deste ser liminarmente rejeitado.
De acordo com o TC:
A questão de constitucionalidade objeto do presente recurso foi já apreciada por este Tribunal, no Acórdão n.º 620/2013 e, também, nas Decisões Sumárias n.º 564/2013 e n.º 747/2013 (disponíveis em http://www.tribconstitucional.pt).
O Acórdão n.º 620/2013 decidiu «(…) julgar inconstitucional, por violação do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, a norma constante do artigo 721º-A, n.º 1, c), e n.º 2, c), do Código de Processo Civil, interpretado no sentido de que no recurso de revista excecional cabe ao recorrente juntar certidão do acórdão-fundamento, com o requerimento de interposição de recurso, sob pena deste ser liminarmente rejeitado (…) (cfr. Decisão, a)). As Decisões Sumárias nº 564/2013 e n.º 747/2013 decidiram em sentido idêntico (cfr. Decisão, alínea a)).
Afigura-se que este entendimento se aplica ao caso vertente, não obstante o pedido se circunscrever, in casu, à interpretação da alínea c) do n.º 2 do artigo 721.º-A do Código de Processo Civil (de 1961), pelo que, pelas razões invocadas na fundamentação daquele Acórdão, e para as quais se remete, se deve formular idêntico juízo de inconstitucionalidade.

30 de julho de 2014

Reapreciação de prova gravada pelo STJ


a) Não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 674.º, n.º 3, e 682.º, n.º 2, do nCPC (Lei n.º 41/2013, de 26 de junho), na interpretação de que é proibida a reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria fáctica nova, contra a qual a Recorrente não pôde produzir prova;

b) Não julgar inconstitucional a norma constante do no artigo 80.º, n.º 3, do CPT, na interpretação de que o alargamento do prazo de recurso encontra-se excluído do campo de aplicação do recurso de revista.

Com efeito, tendo em conta a norma paramétríca do direito de acessso aos tribunais (art. 20.º, n.º1, da CRP), o TC afirmou o seguinte:


É jurisprudência firme e abundante do Tribunal Constitucional que o direito de acesso aos tribunais não impõe ao legislador ordinário que garanta sempre aos interessados o acesso a diferentes graus de jurisdição para defesa dos seus direitos e interesses legalmente protegidos. A existência de limitações à recorribilidade funciona como mecanismo de racionalização do sistema judiciário, permitindo que o acesso à justiça não seja, na prática, posto em causa pelo colapso do sistema judiciário, decorrente da chegada de todas ou de uma larga maioria das ações aos diversos "patamares" de recurso.

Na verdade, no plano constitucional processual civil não se encontra expressamente consagrada qualquer norma sobre recursos. Porém, são vários os preceitos constitucionais dos quais se pode retirar uma consagração implícita do direito ao recurso, nomeadamente aqueles que se referem ao Supremo Tribunal de Justiça e aos Tribunais judiciais de primeira e segunda instância (artigos 209.º, n.º 1, a), e 210.º, n.º 1, 3, 4 e 5). Desta previsão constitucional de tribunais de diferente hierarquia resulta que o legislador ordinário não pode eliminar, pura e simplesmente, a faculdade de recorrer em todo e qualquer caso, na medida em que tal eliminação global dos recursos esvaziaria de qualquer sentido prático a competência dos tribunais superiores e deixaria sem conteúdo útil a sua previsão constitucional.

E na definição do regime de recursos não deixa o legislador ordinário de estar limitado pelas diretrizes do direito a um processo equitativo, consagrado no artigo 20.º, n.º 4, da Constituição, no qual se refletirão os princípios estruturantes de um Estado de direito democrático, como sejam os princípios da igualdade, da proporcionalidade e da proteção da confiança.

Para além destas limitações, o legislador ordinário dispõe de uma ampla margem de liberdade na conformação do direito ao recurso em processo civil e laboral.

Assim, como já se referiu em anteriores arestos deste Tribunal (v.g. Acórdãos n.º 390/2004, 659/11, 194/12 e 399/13, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt), não é necessário o recurso para um tribunal superior nos casos em que um tribunal já de recurso se pronuncie, pela primeira vez, sobre questões que possam influir na decisão da causa ou naquelas situações em que ao proferir a decisão, incorra na violação de lei processual ou procedimental que seja sancionada com o estigma da nulidade.


É claro que o legislador poderia, na sua discricionariedade legislativa, admitir esse recurso, mas a sua inadmissibilidade não será constitucionalmente intolerável. (sublinhados nossos)

Este entendimento permite assegurar ao STJ a análise das questões de direito.

Assim:


No nosso sistema de recursos em processo civil, o qual se aplica subsidiariamente ao processo laboral, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça está em princípio reservada ao conhecimento da matéria de direito, funcionando como última instância de controle da fixação da matéria de facto os Tribunais da Relação.

A interpretação normativa segundo a qual é proibida a reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça, nos casos em que a decisão da Relação incide sobre matéria fáctica nova, contra a qual a Recorrente não pôde produzir prova, insere-se naquela orientação de reservar a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça às questões de direito, encontrando-se dentro da margem que o legislador dispõe de conformar o direito ao recurso, sendo certo que não deixa de se encontrar assegurado o direito das partes reagirem quando os tribunais conheçam de questões de que não podiam tomar conhecimento, designadamente em matéria de facto, através da arguição de nulidades perante o tribunal a quem é imputado o seu cometimento (artigo 615.º, n.º 1, c), aplicável aos acórdãos dos Tribunais da Relação, por remissão do artigo 666.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Assim, pelas razões indicadas, se conclui que tal solução não viola o direito de acesso aos tribunais, não se vislumbrando também que viole qualquer diretriz do direito a um processo equitativo, não fazendo qualquer sentido a convocação dos princípios da igualdade e da intangibilidade do caso julgado na fiscalização da constitucionalidade da norma sub iudicio.

Em suma, o TC validou a proibição de reapreciação da prova gravada pelo Supremo Tribunal de Justiça.

29 de julho de 2014

O exercício da profissão e as liberdade de religião, de consciência e de culto: a jurisprudência recente do TC

No Ac. TC n.º 545/2014 (Fernandes Cadilha), o TC apreciou o direito de dispensa da realização dos turnos de serviço urgente que coincidam com os dias de sábado, com fundamento no facto de o trabalhador ser membro da Igreja Adventista do Sétimo Dia e encontrar-se obrigado, por motivos religiosos, a guardar o sábado como dia de descanso, adoração e ministério e abster-se de todo o trabalho secular.
Os funcionários e agentes do Estado e demais entidades públicas, bem como os trabalhadores em regime de contrato de trabalho, têm o direito de, a seu pedido, suspender o trabalho no dia de descanso semanal, nos dias das festividades e nos períodos horários que lhes sejam prescritos pela confissão que professam, nas seguintes condições:
a) Trabalharem em regime de flexibilidade de horário;
b) Serem membros de igreja ou comunidade religiosa inscrita que enviou no ano anterior ao membro do Governo competente em razão da matéria a indicação dos referidos dias e períodos horários no ano em curso;
c) Haver compensação integral do respectivo período de trabalho.
Por seu lado, o art. 41.º da CRP dispõe o seguinte:
1 - A liberdade de consciência, de religião e de culto é inviolável.
2 - Ninguém pode ser perseguido, privado de direitos ou isento de obrigações ou deveres cívicos por causa das suas convicções ou prática religiosa.
3 - Ninguém pode ser perguntado por qualquer autoridade acerca das suas convicções ou prática religiosa, salvo para recolha de dados estatísticos não individualmente identificáveis, nem ser prejudicado por se recusar a responder.
4 - As igrejas e outras comunidades religiosas estão separadas do Estado e são livres na sua organização e no exercício das suas funções e do culto.
5 - É garantida a liberdade de ensino de qualquer religião praticada no âmbito da respectiva confissão, bem como a utilização de meios de comunicação social próprios para o prosseguimento das suas atividades.
6 - É garantido o direito à objeção de consciência, nos termos da Lei.
Como bem refere o TC, verifica-se uma situação de conflito entre o direito de guarda pra o exercício da religião durante certo período de tempo e o cumprimento dos deveres laborais no âmbito de uma relação de trabalho subordinado.
Segundo o TC, a referência a trabalho "em regime de flexibilidade de horário (art. 14.º, n.º1, al. a), da LLR) não é diretamente reconduzível a uma modalidade específica de horário de trabalho, nem corresponde ao significado técnico-jurídico de horário flexível que o legislador adota noutros lugares do sistema e para outros efeitos legais, e possui antes um alcance mais abrangente que carece de ser definido e caracterizado em função do caso concreto.
O TC vai mais longe e considera o trabalho por turnos como um regime de flexibilidade, visto que pela sua própria natureza e razão de ser, esse tipo de trabalho está sujeito a um critério de rotatividade e uma variação regular do respectivo pessoal.
Mais: O que interessa considerar, para o efeito previsto na referida disposição legal, é que o regime de trabalho relativamente ao qual se requer a dispensa por motivo religioso poderá ser globalmente organizado de modo variável, permitindo a mutação de posições entre os diversos interessados.
Temos muitas dúvidas sobre este entendimento. Parece-nos, salvo melhor opinião, que o TC desconsiderou a diversas modalidades de trabalho por turnos (fixo, rotativo, contínuo e descontínuo). Ora, no trabalho por turnos fixos não há qualquer flexibilidade, rotatividade ou adaptabilidade.
Por outro lado e apesar de a LLR consagrar como requisito a compensação integral do respetivo período de trabalho, o TC sustentou o seguinte:
Não sendo materialmente possível efectuar a compensação de todos os turnos a realizar aos sábados com outros períodos horários de serviço urgente em dias que não recaiam num sábado ou durante as férias judiciais, nada impede que a dispensa do trabalho seja concedida pelo número de dias que seja possível compensar.
Mais: a impossibilidade de satisfazer total ou parcialmente a condição estipulada na alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, não descaracteriza a natureza variável e rotativa do trabalho por turnos e não dispensa o órgão dirigente de obter uma solução de gestão do pessoal que seja consentânea com o exercício de um direito constitucionalmente garantido.
O TC sustentou, ainda, que a inclusão do trabalho por turnos no conceito de "regime de flexibilidade de horário" é a única interpretação que se mostra ser conforme à Constituição.
Pois bem, para o TC, parece claro que o legislador, ao referir-se ao trabalho em regime de flexibilidade de horário, não está a reportar-se apenas às situações em que os trabalhadores possam gerir os seus tempos de trabalho escolhendo as horas de entrada e de saída, mas também a todas aquelas em que seja possível compatibilizar o cumprimento da duração do trabalho com a dispensa para efeitos da observância dos deveres religiosos. O que parece ser decisivo, face à exigência constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 14.º, é que o regime de horário de trabalho aplicável possa permitir a compensação dos períodos de trabalho em que tenha ocorrido a suspensão.
Nada obsta, por conseguinte, que no regime de flexibilidade de horário se possam integrar, para além do trabalho por turnos, a que já se fez referência, os horários desfasados, que permitem estabelecer para determinados grupos de pessoal horas fixas diferentes de entrada e de saída, a jornada continua, que permite a concentração da prestação do trabalho num dos períodos do dia, bem como todas as situações de não sujeição a horário de trabalho ou de isenção de horário de trabalho. Para além de que os dirigentes dos serviços poderão fixar horários específicos, não apenas nos casos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 22.º do Decreto-Lei n.º 259/98, de 18 de Agosto (destinados a trabalhadores-estudantes ou a permitir acompanhamento de menores ou portadores de deficiência), mas também sempre que «outras circunstâncias relevantes, devidamente fundamentadas, o justifiquem» (n.º 3), o que seguramente poderá ocorrer quando se trate do exercício do direito de liberdade religiosa. (sublinhados nossos)
Não estamos seguros que este entendimento maximalista de "regime de flexibilidade de horário" seja o mais adequado. Se o critério for a suscetibilidade de compensação dos períodos de trabalho em que tenha ocorrido a suspensão, o critério da al. a) do n.º1 do art. 14.º da LLR perde razão de ser - fica esvaziado de conteúdo - porque, no limite, o empregador seria obrigado a aceitar uma alteração do horário de trabalho, desde que o período de funcionamento da "empresa" pudesse acomodar a referida compensação.
Ainda que esse entendimento possa prevalecer contra o "empregador público", temos dúvidas que possa ser imposto ao "empregador privado", tendo em conta a liberdade de iniciativa económica (art. 61.º, n.º1, da CRP). Todavia, caso seja aceite tal distinção, o TC terá uma boa oportunidade para desenvolver a sua tese de proteção do trabalhador do setor público em futuros arestos.

Sobre esta questão podem ser, ainda, consultados os seguintes Acórdãos:
- Ac. TCAN 8.2.2007 (Medeiros de Carvalho) proc. n.º 01394/06.0BEPRT.

24 de julho de 2014

O Direito do Trabalho em Espanha e em Portugal nos anos da crise (2011-2014)

O Direito do Trabalho está a mudar. Portugal e Espanha têm registado taxas de desemprego de proporções históricas e passam, atualmente, por um processo de Reformas Laborais particularmente intensas com o objetivo de aumentar a flexibilidade do mercado de trabalho e fomentar a competitividade empresarial.

Propomo-nos sintetizar os aspetos fundamentais das Reformas Laborais implementadas nos últimos anos. Não obstante as diferentes opções de política legislativa, podem ser identificadas algumas tendências transversais.

Espanha

Introduziram-se alterações nas modalidades e regimes contratuais visando a criação de emprego, tendo em conta três linhas de atuação: a) fomento da contratação em geral; b) promoção do emprego jovem, especialmente afetado pelo desemprego; c) aposta em emprego por tempo indeterminado com o objetivo de reduzir os elevados índices de temporalidade.

Assim, ampliou-se a possibilidade de utilização do contrato de aprendizagem; criou-se uma nova modalidade contratual por tempo indeterminado que tem como virtualidade principal a consagração de um período experimental de um ano ("contrato de trabalho de apoio aos empreendedores"); e regulou-se o trabalho à distância.

Por outro lado, para flexibilizar a gestão dos recursos humanos foram, por exemplo, acelerados, ampliados e facilitados os mecanismos – que já existiam – para que o empregador, na falta de acordo do trabalhador, possa introduzir modificações substanciais nas suas condições de trabalho. A Reforma consagrou, ainda, a distribuição irregular de até 10% da jornada de trabalho e potenciou as possibilidades de suspensão do contrato de trabalho e de redução da jornada laboral por causas relativas ao funcionamento da empresa.

A cessação do contrato de trabalho foi igualmente alvo de atenção do legislador, sendo de salientar a supressão da autorização administrativa que era exigida nos despedimentos coletivos e a maior concretização dada ao conceito de situação económica negativa que o deve justificar.

Por último reformou-se amplamente o sistema de negociação coletiva. Assim, confere-se mais força aos acordos de empresa do que aos contratos coletivos de trabalho sectoriais, prevêem-se mecanismos que permitem ao empregador não aplicar grande parte do seu conteúdo e promove-se a permanente renegociação das cláusulas para evitar a sua petrificação.

Portugal

Em matéria de contrato de trabalho e de flexibilidade interna, salientamos (i) a criação do banco de horas individual, por acordo entre o empregador e o trabalhador (aumento da jornada de trabalho até 2 horas por dia, 50 horas por semana, com um limite anual de 150 horas); (ii) a consagração do banco de horas grupal como mecanismo de extensão do banco de horas consagrado em convenção coletiva de trabalho ou em contrato de trabalho; (iii) a eliminação de descansos compensatórios em caso de trabalho suplementar e a redução do valor pago pelo trabalho suplementar; (iv) a supressão de quatro feriados e da majoração do período anual de férias.

A Reforma procurou, por um lado, manter os postos de trabalho, ainda que temporários, através de um regime extraordinário de renovação dos contratos de trabalho a termo e dos contratos de trabalho temporário; e por outro lado, procedeu a uma redistribuição do rendimento anual, através do pagamento em duodécimos de parte dos subsídios de férias e de Natal.

No procedimento de suspensão ou de redução de laboração em regime de crise empresarial foi reforçado o dever de informação do empregador sobre a situação económica e financeira da empresa, foram reduzidos os prazos de decisão do empregador e de aplicação da medida e promoveu-se a admissibilidade de prorrogação desta medida, mediante comunicação do empregador.

Em matéria de cessação do contrato de trabalho, verificou-se uma redução progressiva do valor das compensações devidas nos casos de caducidade e de despedimento por motivos objetivos (de um máximo de um mês por ano de antiguidade para 18 e 12 dias por ano de antiguidade, consoante os casos). Para garantia do pagamento destas compensações foram criados o fundo de compensação do trabalho (capitalização individual) e o fundo de garantia de compensação do trabalho (mutualista).

Por outro lado, na extinção de posto de trabalho substituiu-se a regra da antiguidade por uma ordem de cinco critérios com prevalência para a avaliação de desempenho. Permite-se, ainda, o despedimento por inadaptação sem modificações no posto de trabalho.

Em matéria de negociação coletiva, admite-se que nas empresas com pelo menos 150 trabalhadores os sindicatos possam conferir às estruturas de representação coletiva poderes para celebrar convenções coletivas.

Mais recentemente, encontram-se em discussão na Assembleia da República duas novas propostas legislativas: (i) a redução dos prazos de sobrevigência e de caducidade das convenções coletivas com vista a promover a negociação coletiva; e (ii) a suspensão total ou parcial da convenção coletiva em situação de crise empresarial.

O Direito do Trabalho dos anos da crise aponta para a flexibilidade na gestão dos recursos humanos (interna) e na cessação do contrato de trabalho (externa), para a dinamização da contratação coletiva ao nível da empresa e para uma mais célere revisão das convenções coletivas de trabalho, de forma a assegurar às empresas – principais dinamizadoras da criação de emprego – as condições de competitividade necessárias à sua saúde económica e financeira.







Nota 2: artigo publicado na Revista "Actualidad€" da Câmara de Comércio e Indústria Luso Espanhola.

23 de julho de 2014

A penhora de salários

Nos últimos anos podemos identificar duas fases substancialmente distintas na nossa sociedade: o tempo do crédito fácil e do crescimento económico (aparente) e, mais recentemente, os dias da crise económica. Para uns vivemos acima das nossas possibilidades, para outros o aumento do crédito resultou de uma redução acentuada da exigência na avaliação do risco associada a intensas campanhas publicitárias. Independentemente das causas, vamos assumir que as famílias chegaram aos dias da crise com níveis de endividamento, no limite, proporcionais à sua capacidade de ganho.


Todavia, com o advento dos dias da crise verificou-se o aumento significativo do desemprego, o qual foi acompanhado por cortes salariais na parte da população que manteve o seu posto de trabalho. Seria, portanto, expectável que o endividamento se transformasse em sobre-endividamento e conduzisse, em primeiro lugar, a níveis apreciáveis de incumprimento e depois a um aumento do número de penhoras (em especial, de salários).


Neste quadro, importa conhecer os traços gerais do regime da penhora de salários.


Em regra, são impenhoráveis 2/3 da parte líquida dos vencimentos, salários, prestações periódicas pagas a título de aposentação ou de qualquer outra regalia social, seguro, indemnização por acidente, renda vitalícia, ou prestações de qualquer natureza que assegurem a subsistência do executado.


Esta impenhorabilidade refere-se à parte líquida, isto é, ao valor que será disponibilizado ao trabalhador, tendo em conta os "descontos legalmente obrigatórios" (por exemplo, a retenção na fonte e a quotização para a Segurança Social).


Todavia, esta insusceptibilidade de penhora conhece dois limites: (i) o limite máximo correspondente a 3 remunerações mínimas mensais garantidas (isto é, € 1.455,00); e (ii) o limite mínimo correspondente ao valor da remuneração mínima mensal garantida (isto é, € 485,00), quando o executado não tenha outros rendimentos.


Assim, deve ter-se presente que não é (absolutamente) verdade que a penhora só possa corresponder a 1/3 do salário mensal. Com efeito, nos salários mais elevados é possível penhorar uma parcela mais expressiva, desde que ao executado seja garantido o valor de € 1.455,00. Por seu lado, por razões de tutela da dignidade da pessoa humana, pode verificar-se, no limite, uma insusceptibilidade total de penhora nos salários mais baixos. Diga-se, aliás, que não é uma realidade pouco comum, se tivermos em conta que mais de 10% da população ativa recebe o "salário mínimo nacional".


Por fim, cumpre referir que o juiz pode, excecionalmente e a requerimento do executado, reduzir, por período que considere razoável, a parte penhorável dos rendimentos e mesmo, por período não superior a 1 ano, isentá-los de penhora. Para o efeito, o juiz deverá atender ao montante e à natureza do crédito em cobrança, bem como às necessidades do executado e do seu agregado familiar.


De referir que estes traços de regime não devem dispensar-nos de uma análise mais detalhada do caso concreto.

Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 15.7.2014.

Responsabilidade dos administradores pelas contraordenações laborais

O Tribunal Constitucional (TC) no seu mais recente acórdão (201/2014 de 3 de janeiro de 2014) emitiu uma decisão com a maior relevância para administradores, gerentes e diretores ao não reconhecer a inconstitucionalidade do n.º 3, do artigo 551.º do Código de Trabalho (2009).


De acordo com esta norma os administradores, gerentes e diretores são solidariamente responsáveis pelo pagamento de coimas que sejam determinadas por factos praticados pelas sociedades que administrem, independentemente de qualquer facto que lhes diga diretamente respeito. Ou seja, o gestor será responsável independentemente de ter sido o autor da infração, de lhe ser imputável a não satisfação do crédito de multa ou da sua situação patrimonial pessoal. Desta forma, o montante do pagamento da coima será aferido com base na valoração do comportamento da empresa (autora da infração) e da respetiva situação económico-financeira e não do comportamento pessoal ou da situação patrimonial do administrador, gerente ou diretor.


Na ponderação entre os valores consubstanciados nas normas contraordenacionais, e que na sua essência visam reprimir e prevenir a atuação dos agentes com vista à manutenção da ordem social, e o princípio da proibição constitucional de transmissibilidade da responsabilidade penal, em benefício da maior eficácia do sistema sancionatório contraordenacional, o TC privilegiou os primeiros.


Segundo o TC, a solução legal em apreço visa, através da assunção coerciva da responsabilidade pelo pagamento da coima, envolver os administradores, gerentes ou diretores na contraordenação laboral praticada pela empresa e, por essa via, assegurar não só o comprometimento ativo dos órgãos de gestão no cumprimento da legislação laboral, como uma maior eficácia na cobrança das coimas.


De referir que a responsabilidade solidária pelo pagamento da coima não isenta a empresa do pagamento da mesma. Isto é, após o pagamento, o administrador, gerente ou diretor pode exercer o seu direito de regresso contra a empresa a fim de ser reembolsado dos valores pagos. Todavia, esta solução não evita a afetação de bens próprios ao pagamento de uma dívida alheia, sem qualquer "garantia" de reembolso.


Esta decisão do TC coloca assim, novamente na ordem do dia, a necessidade de os administradores, gerentes e diretores, deterem pleno conhecimento dos normativos legais de natureza laboral a que as empresas que administram estão vinculadas e pugnarem ativamente pelo seu cumprimento, sob pena de verem comprometido o seu próprio património pessoal.


Por fim, devemos notar que este é um tema complexo e com diversas especificidades jurisprudenciais. Por exemplo, com respeito ao regime das infrações tributárias, o Tribunal Constitucional, no seu acórdão n.º 171/2014, declarou inconstitucional com força obrigatória geral a norma do artigo 8.º, n.º 7, do Regime Geral das Infrações Tributárias, na parte que se refere à responsabilidade solidária dos gerentes e administradores pelo pagamento de multas que sejam aplicadas à sociedade que gerem, quando hajam colaborado dolosamente na prática da infração.


Notas:


a) Em coautoria com Susana Morgado (Advogada Sénior da Gómez-Acebo & Pombo)

b) Artigo publicado no Jornal OJE de 10.7.2014



As transferências de local de trabalho

Podemos identificar três elementos-chave no contrato de trabalho com influência significativa na organização laboral do empregador e no "modus vivendi" do trabalhador, cuja modificação durante a execução do contrato deve obedecer a determinados critérios e limites: (i) a atividade contratada; (ii) a remuneração; e (iii) o local de trabalho. Abordaremos, hoje, a questão da alteração do local de trabalho.


O trabalhador deve, em princípio, exercer a atividade no local contratualmente definido, sem prejuízo das alterações por iniciativa do empregador ou do trabalhador.


O empregador pode transferir o trabalhador para outro local de trabalho, temporária ou definitivamente, desde que observe o procedimento adequado, nas seguintes situações: (i) em caso de mudança ou extinção, total ou parcial do estabelecimento onde aquele presta serviço; ou (ii) quando outro motivo do interesse da empresa o exija e a transferência não implique prejuízo sério para o trabalhador.  


No caso de transferência definitiva, o trabalhador pode resolver o contrato, com direito a compensação, se tiver prejuízo sério.


De acordo com a jurisprudência, o "prejuízo sério deve consubstanciar um dano relevante que não se reconduza a simples transtornos ou incómodos: torna-se mister que a alteração ordenada afecte, substancialmente e de forma gravosa, a vida pessoal e familiar do trabalhador visado"[Ac. STJ 25.11.2010 (Sousa Grandão)].


Assim, não constitui motivo bastante para a resolução do contrato a alteração da hora de saída de casa e a penosidade das viagens [Ac. STJ 25.11.2010 (Sousa Grandão)]. Com efeito, "o facto de com a mudança de local de trabalho o trabalhador passar a despender diariamente com as deslocações entre 1.00h a 1h15m e de perder uma situação de vantagem que resultava da relação de proximidade do anterior local de trabalho com a residência (almoçar em casa, dispor de mais tempo para a lide da mesma, e para descanso e acompanhamento familiar)" não constitui prejuízo sério [Ac. STJ 5.7.2007 (Sousa Grandão)].


Por seu lado, considerou-se que existia prejuízo sério no caso de mudança para um novo local de trabalho que ficava a cerca de 200 km de distância, visto que, à partida, não seria viável uma deslocação diária da residência para o novo local de trabalho e produziria uma alteração substancial da vida pessoal e familiar do trabalhador [Ac. STJ 12.2.2009 (Vasques Dinis) e Ac. STJ 7.11.2007 (Pinto Hespanhol)].


Em qualquer caso, o empregador deve custear as despesas do trabalhador decorrentes do acréscimo dos custos de deslocação e da mudança de residência, ou em caso de transferência temporária, de alojamento.


Por fim, cumpre referir a possibilidade de transferência a pedido do trabalhador vítima de violência doméstica, desde que seja apresentada queixa-crime e se verifique a saída da casa de morada de família no momento em que se efetive a transferência.


O empregador que disponha de outro estabelecimento pode, todavia, adiar a transferência com fundamento em exigências imperiosas ligadas ao funcionamento da empresa ou serviço, ou até que exista posto de trabalho compatível disponível. Ora, neste caso, o trabalhador pode suspender o contrato de imediato até que ocorra a transferência e solicitar a confidencialidade sobre os motivos que justificam essa alteração contratual.

Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 8.7.2014.


Sobre esta questão, pode ser consultado, ainda, o seguinte Acórdão:


- Ac. STJ 12.1.2006 (Pinto Hespanhol)

9 de julho de 2014

As portarias de extensão: novos critérios

A legislação laboral vive num clima de mudança permanente desde há cerca de 3 anos. Não surpreende, por isso, que na passada sexta-feira tenha sido publicado um novo diploma com relevância para a vida das empresas.

As convenções coletivas de trabalho (CCT) assumem a seguinte tipologia: (i) contrato coletivo de trabalho: convenção celebrada entre associação sindical e associação de empregadores; (ii) acordo coletivo de trabalho: convenção celebrada entre associação sindical e uma pluralidade de empregadores para diferentes empresas; e (iii) acordo de empresa: convenção celebrada entre associação sindical e um empregador para uma empresa ou estabelecimento.

A CCT obriga o empregador que a subscreve ou filiado em associação de empregadores celebrante, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros de associação sindical celebrante (princípio da filiação). A CCT pode ser, ainda, aplicável quando o trabalhador não filiado em associação sindical escolha a CCT aplicável na empresa ou quando seja emitida uma portaria de extensão.

A portaria de extensão visa alargar o âmbito de aplicação de uma CCT ao setor de atividade ou ao setor profissional e deve ter em conta as circunstâncias sociais e económicas que a justifique, nomeadamente a identidade ou semelhança económica e social das situações no âmbito da extensão e da CCT a que se refere. A competência para a emissão da portaria de extensão cabe ao ministro responsável pela área laboral e, em caso de oposição por motivos económicos, cabe também ao ministro responsável pelo sector de atividade.

Em Outubro de 2012, no cumprimento de uma obrigação assumida no Memorando da Troika, o Governo definiu "critérios mínimos, necessários e cumulativos a observar no procedimento para a emissão de portaria de extensão". No essencial, o Governo auto vinculou-se a emitir portarias de extensão quando estivesse verificado um exigente critério de representatividade (a parte empregadora subscritora da CCT devia ter ao seu serviço, pelo menos, 50% dos trabalhadores do setor de atividade, no âmbito geográfico, pessoal e profissional de aplicação pretendido) com o objetivo de reduzir as portarias de extensão, relegando a negociação das condições de trabalho para o nível da empresa e maximizando, nesse aspeto, o papel do contrato de trabalho. O que veio a acontecer.

Com efeito, de acordo com o "Relatório Anual da Negociação Coletiva" da UGT, foram publicadas em 2010 116 portarias de extensão; e em 2013 apenas 9 portarias de extensão de CCT de 2011 e 2012, deixando de fora o alargamento das condições de trabalho de CCT publicadas nesse ano. Na ausência de portarias de extensão, verificou-se, naturalmente, a redução do número de trabalhadores abrangidos por CCT.

Ora, no passado dia 27 de junho, o Governo procurou flexibilizar as condições de emissão de novas portarias de extensão, através de um critério adicional: a parte empregadora subscritora da CCT deve ter um conjunto de associados constituído, pelo menos, por 30% de micro, pequenas e médias empresas, isto é, empresas que empreguem até 250 trabalhadores. Embora nos reportemos a dados do ano 2000, este critério pode representar 91% das empresas em Portugal. Dito de outro modo, as empresas com 250 ou mais trabalhadores não representavam, em 2000, sequer 1% das empresas, embora tivessem ao seu serviço cerca de 31% dos trabalhadores.

Em suma, esta medida pode levar a uma melhoria das condições de trabalho (em especial, dos salários) por força da negociação coletiva, escapando à vontade do empregador ou a critérios de produtividade.

Todavia, estão na "linha de montagem" dois diplomas que podem "recalibrar" o regresso ao "alargamento compulsivo" de CCT: a redução da sobrevigência e a possibilidade de suspensão da CCT em caso de crise da empresa (referidos no nosso artigo da passada semana).
Resta-nos aguardar pelos efeitos destas alterações normativas.

Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 1.7.2014.

Sobre esta questão vide:

- Professor Doutor Pedro Silva Martins (Professor no Queen Mary College, Universidade de Londres, ex-Secretário de Estado do Emprego 2011-2013): aqui e aqui


O absentismo laboral

O absentismo cria inúmeros problemas às organizações laborais, nomeadamente a redução da produtividade individual e coletiva, a sobrecarga dos colegas de trabalho presentes e a (potencial) perda de clientes. De acordo com um estudo da Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, as taxas médias de absentismo variam entre 3% e 6% do tempo de trabalho e estima-se que o seu custo atinja cerca de 2,5% do PIB.



Em 2003, o Código do Trabalho criou a majoração do período mínimo anual de férias de até 3 dias em função das faltas verificadas no ano anterior. Em 2012, no seguimento de um Acordo de Concertação Social, foi decidida a sua eliminação, eventualmente devido aos seus escassos efeitos no combate ao absentismo laboral.



Em qualquer caso, dir-se-á que a primeira medida para controlar o absentismo laboral reside na implementação (obrigatória) do registo dos tempos de trabalho e no controlo regular das ausências ao serviço.



Com efeito o empregador deve manter o registo dos tempos de trabalho, incluindo dos trabalhadores que estão isentos de horário de trabalho, em local acessível e de modo a permitir a sua consulta imediata (nomeadamente pela Autoridade para as Condições do Trabalho). Este registo deve conter a indicação das horas de início e de termo do tempo de trabalho, bem como das interrupções ou intervalos que nele não se compreendam. No caso de trabalhador que preste trabalho no exterior da empresa, o empregador deve assegurar que este vise o registo imediatamente após o seu regresso à empresa ou envie o mesmo devidamente visado.



Em conformidade com o Código do Trabalho, considera-se falta a ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar a atividade durante o período normal de trabalho diário. Em caso de ausência por períodos inferiores ao período normal de trabalho (por exemplo, durante a manhã ou tarde), os respetivos tempos são adicionados para determinação da falta. De referir que no caso de apresentação ao serviço com atraso superior a 60 minutos, o empregador pode recusar a prestação de trabalho durante todo o período normal de trabalho.



As faltas devem ser comunicadas ao empregador e, caso este o solicite, devem ser justificadas com prova do facto invocado (por exemplo, atestado médico). Caso não seja comunicada ou não seja feita prova do facto invocado, a falta será considerada injustificada, o que constitui uma violação do dever de assiduidade e determina perda da retribuição correspondente ao período de ausência, que não é contado na antiguidade do trabalhador.



Por outro lado, as faltas injustificadas constituem justa causa de despedimento quando: (i) determinem prejuízos ou riscos graves para a empresa (por hipótese, um cozinheiro que falte injustificadamente a uma festa de casamento, prejudicando irremediavelmente a realização do "copo de água"); ou (ii) atingem, em cada ano civil, 5 seguidas ou 10 interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco.



De referir que o Supremo Tribunal de Justiça (STJ), num acórdão de 2.12.2010, considerou que as faltas injustificadas integram um comportamento ilícito, presumindo-se a culpa do trabalhador. Nesse caso, o STJ entendeu que havia justa causa de despedimento, visto que a trabalhadora registou 12 faltas injustificadas durante um ano civil.



Ainda sobre este tema, o Tribunal da Relação de Coimbra (TRC), num acórdão de 25.3.2010, acolheu o entendimento que, no caso de faltas injustificadas que determinem prejuízos ou riscos graves para a empresa, o prazo de prescrição começa a correr a partir do momento em que as faltas ocorreram; ao invés, no caso de contabilização do número de faltas no ano civil, o prazo de prescrição só começa a correr no termo do ano civil em que as faltas tiveram lugar.



O controlo dos tempos de trabalho pode não ser o meio mais eficaz para reduzir o absentismo laboral, mas é, sem dúvida, um instrumento de gestão muito relevante.



Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 24.6.2014.