Este blog (sobre)viverá da aplicação do Direito ao caso concreto...

14 de maio de 2014

Trabalho “on demand”?

Será possível dispor de trabalhadores ou de equipas de trabalho "à chamada" ou "a pedido"?

Em dezembro de 2013, o Reino Unido lançou uma consulta pública sobre os "zero-hours contracts", isto é, sobre contratos de trabalho que não estabelecem períodos normais de trabalho mínimos, sendo a remuneração definida em função do trabalho realizado e devendo o trabalhador estar disponível para prestar a sua atividade quando seja chamado pelo empregador.

Esta consulta cuida de quatro aspetos fundamentais: (i) exclusividade do trabalhador; (ii) transparência na qualificação do "zero-hours contract"; (iii) indeterminação do valor da remuneração; (iv) equilíbrio de poderes entre empregador e trabalhador.

No Reino Unido, estima-se que, entre Janeiro e Fevereiro de 2014, existissem 1,4 milhões de "zero-hours contracts" e que cerca de 13% dos empregadores tivessem recrutado alguns trabalhadores através desta modalidade de contrato. Considerando os setores de atividade, verifica-se uma maior predominância nos serviços de alojamento e alimentação, na saúde e trabalho social, nos serviços administrativos e de apoio e na educação.

Esta modalidade de contrato de trabalho tem vantagens e desvantagens. Por um lado, permite ao empregador dispor de trabalhadores em função das necessidades da sua organização empresarial (por exemplo, a organização de um casamento num estabelecimento hoteleiro, o apoio domiciliário a um paciente em virtude do agravamento do seu estado de saúde, o curto-circuito num sistema informático que requer a presença de um técnico especializado para recuperar os dados, entre outros). Por outro lado, trata-se de um contrato que não garante uma estabilidade remuneratória ao trabalhador; permite-lhe, porém, uma maior gestão do seu tempo de não trabalho, visto que não é obrigado a aceitar todas as solicitações do empregador.

O trabalhador tem direito a remuneração durante os períodos de trabalho, mas também durante os períodos de prontidão ou enquanto se encontra próximo do local de trabalho e aguarda para prestar a sua atividade. Contudo, não terá direito a receber remuneração enquanto aguarda pela "chamada" na sua residência.

Entre nós, o Código do Trabalho consagra o "trabalho intermitente" em termos fortemente restritivos, a saber: (i) só é admissível em empresa que exerça atividade com descontinuidade ou intensidade variável; (ii) não pode ser celebrado a termo resolutivo ou em regime de trabalho temporário; e (iii) o trabalhador deve prestar a sua atividade durante, pelo menos, 6 meses a tempo completo por ano, dos quais, pelo menos, 4 meses devem ser consecutivos.

O contrato de trabalho intermitente está sujeito a forma escrita – sob pena de ser considerado sem período de inatividade – e deve regular a duração da prestação de trabalho, de modo consecutivo ou interpolado, bem como o início e termo de cada período de trabalho, ou a antecedência (não inferior a 20 dias) com que o empregador deve informar o trabalhador do início daquele.

Durante o período de inatividade, o trabalhador tem direito a uma compensação retributiva mensal que pode ser fixada em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho e que, na sua falta, não pode ser inferior a 20% da retribuição base mensal. Os subsídios de férias e de Natal são fixados com base na média das remunerações e compensações retributivas.

Em nossa opinião, o modelo português tem uma aplicabilidade reduzida porque deve obedecer a requisitos muito exigentes.

Coloca-se a questão de saber se estas cautelas legislativas não "empurram" as empresas e os trabalhadores para contratos de trabalho a termo ou para os "recibos verdes". A ser assim, o trabalhador encontrar-se-á numa situação de maior fragilidade do que aquela que teria se o contrato de trabalho intermitente tivesse um regime mais flexível quanto ao tipo de atividade e à duração mínima anual.

Nota: artigo publicado no Jornal OJE de 6.5.2014.


Sobre esta questão, vide:
Zero-hours contracts - Commons Library Standard Note

Sem comentários:

Enviar um comentário